Segundo José Gil, a ética, a moral e toda a carga valorativa perdeu a guerra com a onda populista que afecta o espaço público europeu.
Se a ética correspondia a um conjunto de princípios ou normas morais, como defendia Bento Espinosa (“é a força que determina o valor”), hoje, estas mesmas forças, no mundo da política, viraram-se do avesso. O mediatismo dos políticos, como é o caso de Sílvio Berlusconi, em muito tem contribuído para degenerescência e extinção da “ética política”, pois a visão populista e a manipulação da imagem do líder político, assim como o reforço da capacidade de influencia sobre as massas e a transformação do prestígio que é fabricado pelos media e que resulta em poder, tudo isto tem contribuído para profundas alterações no próprio mundo da política.
Ora, o grande resultado desta alteração é a trivialização e democratização do próprio espectáculo que é a política e a sua liderança. “O líder tornou-se actor”, ou melhor, “um homem como nós”, com pensamentos, sentimentos, virtudes e defeitos. E esta exposição da sua intimidade resultou, inesperadamente, num novo populismo mediático, ou seja, o mostrar tudo das novas tecnologias alterou a ética das forças vitais; pela nova estética da imagem e pela disposição das novas tecnologias em “mostrar tudo”. Os media não encontram barreiras entre o que é público e o que é privado, indo mesmo ao “descaramento” de revelar hoje um facto e uma cara considerados como ilícito e, no dia seguinte, este ilícito considera-se aceitável e rapidamente cai no esquecimento. Ou seja, os media, hoje, são os tribunais da opinião pública, sobretudo no que à política diz respeito: rapidamente condenam, absolvem e esquecem.
Helena Belga/Miguel Alexandre Palma Costa
Na primeira semana do corrente mês, tive a inesperada oportunidade de visitar e contemplar o mais recente “museu” que o concelho do qual sou originário – Cascais – inteligentemente soube chamar a si e apresentar como uma mais-valia cultural para o nosso pequeno (territorialmente, falando) país. Fá-lo, é claro, da Casa das Histórias - Paula Rego, que abriu portas a 18 de Setembro de 2009, num edifício constituído por duas pirâmides altas cor de tijolo, da autoria do arquitecto Eduardo Souto de Moura, e especialmente construído para o efeito.
Ora, se quando à irreverência e talento da artista portuguesa radicada em Londres, e dos seus belos e colossais trabalhos, nada há a dizer, já no que se refere à dimensão e forma de apresentação das obras, nas sete salas destinadas à exposição permanente, aí é de destacar a pouca ou nenhuma originalidade das paredes brancas sobre as quais estão “depositadas”; isto para não falar da ausência de qualquer banco, cadeira ou canapé para que os visitantes possam relaxar e passar alguns minutos, ou até horas, a experienciar esteticamente as belas obras de arte expostas.
Em suma, se o objectivo era apenas comercial e de obtenção de atenções parte da população em geral, isso foi amplamente conseguido. Mas se se pretendia formar cultural e esteticamente os visitantes, então ter-se-á de pensar numa outra forma de apresentar os trabalhos e de permitir ao mesmos uma maior e melhor fruição estética. Para isso, precisam de tempo e adequadas condições para poderem desfrutar da companhia e excentricidade das histórias de Paula Rêgo.
P.s.- Ainda é tempo de corrigir esta situação.
Miguel Alexandre Palma Costa
Contra a “paixão” que coloca o consumo no centro da vida dos seres humanos, só uma “ecologia do espírito” que lhes ofereça outras paixões e felicidade, defendeu ontem o filósofo francês Gilles Lipovetsky em Lisboa, na conferência “Ambiente na Encruzilhada”, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Na conferência, que continua hoje, Lipovetsky recusou “diabolizar” o consumo, mas afirmou que é quando se torna “o centro da vida” que se torna também “perverso, um erro”, o que acontece na sociedade actual de “hiper-consumo”.
Apontando o aumento da obesidade que evidencia o “excesso de consumo que se deve criticar”, Lipovetsky - professor da Universidade de Grenoble, em França, e autor de obras como A Era do Vazio - reconheceu que o aumento de tecnologia e produtos disponíveis pode “fazer recuar a doença, os grandes desastres”, mas a partir de um certo limiar ter mais dinheiro não aumenta a felicidade.
“Quando [o consumo] é o tudo da existência, é perverso. O Homem não deve ser só um consumidor, deve ser uma criatura que aprende, que pensa, que se ultrapassa”, argumentou.
A contrapor à “paixão da espiral consumista”, só uma “pedagogia e uma política de paixão, que ofereça objectivos capazes de mobilizar a paixão dos indivíduos”, declarou.
“Pela arte, pelo trabalho, é preciso dar aos seres humanos a capacidade de viver para outras coisas além das marcas ou da substituição de uns produtos por outros. É precisa uma ecologia do espírito, precisamos de criar outro pólo, senão não vai parar esta bulimia”, disse, defendendo ser necessário “inventar novos modos de educação e trabalho”.
“A felicidade não cresce ao mesmo ritmo que a economia. Existe um mito, um fetiche com a ideia de crescimento, que não é um bom indicador de felicidade”, disse o filósofo.
Para Lipovetsky, a escalada do consumo deve-se, entre outros factores, à mundialização da economia, que não pára de propor novos serviços e produtos numa “fuga para a frente infernal” e à legitimação da “cultura hedonista em que gozar a vida já não é um interdito”.
Por outro lado, “paga-se caro” por viver numa sociedade individualista, em que o desempenho individual é constantemente medido: com “angústia”, a que as pessoas, ansiosas, já não reagem “indo à missa”, mas consumindo, num mundo em que comprar já não tem limites nem de espaço nem de tempo.
Com a Internet, finalizou-se um modelo de “consumo contínuo”, que, “com ou sem crise, vai continuar”.
Se, antigamente, o consumo era organizado por família ou por classe social, hoje o consumidor é “nómada, imprevisível, descoordenado”, apontou. Compra para si, compra luxo - mesmo que tenha que reduzir noutros sectores - e compra sempre à procura de prazer, essencialmente, mais do que de prestígio.
Hoje, “vive-se para ter constantemente pequenas experiências, para combater um pouco a banalidade dos dias, evitar a fossilização do quotidiano, há uma curiosidade constante pelo que é novo”, acrescentou.
In Público, 28.10.2009.