Dizia Kant – e muitos pedagogos ainda o desconhecem – que “é tão cómodo ser menor. Se eu tiver um livro que tem entendimento por mim, um diretor espiritual que tem por mim consciência moral, um médico que por mim decide da dieta, etc., não preciso eu próprio de me esforçar. Não me é forçoso pensar”… (Immanuel Kant, "Resposta à pergunta: O que é o Iluminismo?", in A paz perpétua e outros Opúsculos, Edições 70.)
Ora, é isto que perpassa hoje – e muito – na escola pública! Pensar é atividade desencorajadora e inclusive quase proibida… As estruturas dirigentes quase que indeferem o exercício da racionalidade aos seus pares, até porque um pensamento não-alinhado, divergente, criativo, alternativo, pode ser um elemento desestabilizador. Assim, o exercício da maioridade, de um “pensar por si” livre, de um “servir do seu próprio entendimento”, é um obstáculo aos tempos presentes. O que nos é solicitado é que cumpramos os preceitos estabelecidos, que respeitemos a regra, que abracemos os modelos já (mais que) testados e sigamos as orientações daqueles que se julgam líderes.
Chegamos assim (e talvez por culpa própria), novamente, não a uma escola livre mas a uma escola prisioneira de pseudoelites que se julgam insubstituíveis nos seus cargos e professam um pensamento único desencorajador do mais alto valor humano: a liberdade. O docente é hoje cada vez mais um “Yes Men”, um ser destituído de pensamento próprio, um vulgar colaborador de uma instituição que em muitos casos já perdeu o norte do seu trilho…
Nesta medida, poucos são aqueles também a quem poderemos ainda chamar de verdadeiros “mestres”, génios, referências ou bússolas para os alunos, pois a carga burocrática preenche-lhes hoje todo o seu tempo e afasta-os quase por completo da verdadeira e nobre vocação que outrora abraçaram: o despertar nas mentes dos seus aprendizes as novas ideias que povoarão o mundo de amanhã…
Com este rumo, resta perguntar: ainda vale a pena ser professor? A resposta é: obviamente que sim!
Contudo, quando abracei esta nobre profissão, alguns dos adjetivos que na altura a catalogavam eram: “competência”, “profissionalismo”, “autoridade”, “rigor”, “cultura”, “mestria”, “conhecimento/sabedoria”, “ciência”, “paciência”, etc. Hoje, longe de mediano mérito social de outrora, a depreciação da profissão e a degradação da sua imagem colocam-na num patamar quase inimaginável. É uma atividade “non grata” (non gratae), desprestigiante e desprestigiada, atacada por quem a deveria acarinhar e muito pouco defendida por quem a exercita. É verdade que para esta situação muito contribuíram algumas ideias/mensagens veiculadas pelos próprios tutelares da pasta no Ministério da Educação, mas aquilo que hoje nos é oferecido deve-se sobretudo à inércia e indiligência dos seus próprios agentes. O professor é o principal culpado da sua atual situação!…
Mas, com tudo isto, qual o lado positivo desta profissão?
Enquanto educador e não mero transmissor de conhecimentos (muitos deles até já obsoletos e refutados), o verdadeiro professor (em parte ou muito incompreendido), é aquele que ensina e age (ou pelo menos deve fazê-lo) em prol da transformação social; é aquele que semeia sonhos, utopias, que orienta caminhos, que alimenta esperanças e que, à sua escala, engendra os homens do amanhã. É aquele que assume um compromisso com o futuro (de uma região, país ou mesmo do mundo), revisitando o passado e trabalhando hoje, isto é, no presente. Por tudo isto, digo, SIM, vale a pena ser professor!
Miguel Alexandre Palma Costa
Na noite de ontem (05.11.2012), o ainda Ministro da Defesa Nacional José Pedro Aguiar Branco (metendo a “foice em ceara alheia”) argumentava no programa Prós e Contras, na RTP1, que o estado gasta mais – e seguindo os dados de um relatório indicado pelo próprio – por aluno do que o sector privado.
Dizia ainda este, e a propósito da recém pseudo-ideia social democrata encabeçada por sua excelência Pedro Passos Coelho da “refundação” das funções do estado (ao que parece são só mesmo as funções sociais!), que o estado não pode continuar a fazer o que não faz bem e o que outros fazem melhor e mais barato. “O estado deve ser fiscalizador, regulador … mas não concorrente no que faz menos bem!”…
Ora, conforme se percebe, este argumente é claramente falacioso e por quê?
Porque o que o ministro não disse mas deveria ter dito, era o seguinte:
1º- A escola pública, ao contrário do sector privado, não escolhe ou selecciona por quaisquer processos mais ou menos transparentes os seus alunos (é uma escola inclusiva e de portas abertas...);
2º- A escola pública em muitas regiões do país é o último reduto - e único - para a inclusão social dos jovens alunos;
3º- A escola pública não tem um corpo docente estável (grande percentagem são contratados a termo certo/resolutivo e muitos dos quadros são-no numa escola "provisóriamente"), no verdadeiro sentido da palavra, e não oferece aos seus profissionais da educação as condições de trabalho que muitas do sector privado cedem;
4º- A escola pública não pagou nos últimos meses os dois subsídios a que constitucionalmente qualquer trabalhador do estado tem direito, sendo que o mesmo não aconteceu na maioria do sector privado. Aliás, é do conhecimento público que em muitas das escolas do sector privado – por exemplo na RAM – os professores aí colocados e requisitados ao público são honorados pelo capital do estado aumentando assim o lucro do sector privado...
5º- A escola pública não dispõe de profissionais de gestão a assessorar os elementos/cargos diretivos, etc., tal como acontece presentemente com alguns ministérios que têm o apoio “técnico” de burocratas ao serviço da Troika!
6ª- (...)
Ora, como consequência destas e de outras razões, é possível que tal estudo fundamente as conclusões citadas mas certamente não parte de alguns dos pressupostos atrás aludidos… Aliás, a elaboração de rankings por altura dos exames nacionais é omissa em muitas destas considerações e, portanto, acaba por meter tudo dentro do mesmo saco!
Assim, qualquer “mentecapto” facilmente compreende que o ponto de partida da escola pública é diferente do da escola do sector privado.
Todavia, e mesmo com todos estes “sound bites” de ministros e pseudo-intelectuais de diminuta categoria, que com lapsos ou mesmo de forma deliberada delapidam a escola pública e a impossibilitam de cumprir as funções consagradas na lei constitucional, ainda assim, esta, quer ao nível do ensino básico, secundário e universitário/politécnico, é responsável por autênticos milagres, incluindo a formação académica de muitos ministros e secretários de estado que agora se viram contra a escola/sistema que muito fez por eles próprios e por diversas gerações, incluindo até aqueles que através de um qualquer sistema de acreditação possibilitou fazer o curso num ano curricular e frequentar apenas 4 cadeiras, uma delas, ao que parece, à época da sua inscrição nem sequer fazia parte do currículo.
Conforme é bem percetível, assistimos aqui a mais uma ataque da orientação neoliberal do (des)governo de Pedro Passos Coelho que conduzirá o país para um abismo, irremediavelmente!…
Miguel Alexandre Palma Costa
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