Vale a pena combater a globalização? O bom senso e a atualidade dizem-nos que estamos condenados a ter de viver num contexto de globalização e este é irreversível. E o que é o fenómeno da globalização?
Definição e fixação do conceito: o termo globalização deriva da área da economia, a sua origem está relacionada com o processo de funcionamento e alargamento de mercados, mas também com o problema das fronteiras e a necessidade de abolição das mesmas (sejam fronteiras políticas, físicas/territoriais, mas também culturais). É precisamente nas fronteiras políticas que se tem assistido à sua eliminação nomeadamente através de acordos entre os estados. A título de exemplo, podemos referir aqui o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), a organização mundial de comércio (World Trade Organization), a organização do Mercado Comum do Sul ou MERCOSUL, etc., mas também a própria história da União Europeia e todo o seu processo de alargamento e integração (económica, política, e agora financeira) atestam este facto. Aliás, esta integração enquanto processo conduziu-nos hoje a uma nova situação, a de perda de soberania dos próprios estados que compõem a União (um federalismo não declarado?). Os estados nacionais desbarataram a sua soberania em função, ou melhor, a favor de agentes ou grupos económicos (acrescente-se, grupos com ideologias de tipo “neoliberal”) que acabam por ditar leis ou orientações que conquistam um espaço importantíssimo na decisão da política dos mesmos. Com isto, os próprios estados recuaram na sua função de serem os promotores diretos do desenvolvimento das nações e acabaram por ser outros agentes ou grupos a terem uma função mais interventiva e até decisiva. Por outras palavras, os estados relegam-se hoje para um papel de apenas reguladores, de aplicadores ou fomentadores das condições mínimas para algo, ou seja, de fiscalizadores, e em tudo isto está obviamente uma mudança de paradigma do que é a intervenção do estado no plano nacional. Todavia, a lógica destes grupos ou agentes é a lógica do mercado, isto é, do lucro, da venda de um produto, da prestação de um serviço por um “preço” ou “custo” qualquer agregado.
Com esta pequena introdução, percebe-se que a questão da globalização levanta o problema/questão, e ainda mais no que à educação diz respeito, da qualidade dos “bens transacionáveis”, da “propriedade” do produto que é vendável, e, obviamente, não podemos omitir a problemática da liberdade. De outra forma, como seres livres, optamos, escolhemos um produto em função de um binómio que é a relação qualidade-preço, e optamos tendencialmente pelo produto que apresenta este binómio de modo mais favorável para o consumidor. No entanto, quando se fala de serviços que têm que ver com a própria organização social e o conceito de organização política dos estados, por exemplo, a saúde, a educação, mas também a proteção no social no emprego ou desemprego, é lícito colocar a seguinte questão: será que esta matéria deve ser tratada com o mesmo enquadramento e conceitos que todos os outros “bens” que são bens transacionáveis? Obviamente, se percebe que esta é uma matéria sensível e que deve ser objeto de discussão mais aprofundada.
Pessoalmente, considero que este tipo de “serviços” (como é o caso da educação) devem estar excluídos da regra geral do mercado que é também uma regra da própria globalização (veja-se, a título de exemplo, o próprio comunicado da União europeia a este respeito). Para além do apontado, esta lógica leva, claro, à desconsideração das pessoas que são aqui consideradas como produto/”bem” e, por consequência, também tratadas como qualquer outro produto transacionável (veja-se, por exemplo, a problemática/questão em torno do chamado dumping social, que ocorre quando os preços baixos dos bens resultam do facto de as empresas estarem instaladas em países onde não são cumpridos os direitos humanos mais elementares, assim como os direitos dos trabalhadores internacionalmente reconhecidos, nomeadamente aqueles que estão previstos pela Organização Internacional do Trabalho).
É um facto que vivemos num ambiente globalizado. Todavia, como nos vamos situar ou reger e integrar de uma forma estável nesta nova realidade? Para começar, conscientes que o conceito de independência dos estados e das organizações está em crise. E, sem uma independência como podemos formar uma posição? Mais, qual a relação de tudo isto com a educação?
A educação também é um “serviço” e um serviço tradicionalmente fornecido à população de uma forma “monopolista”; é verdade, com algumas iniciativas de âmbito privado, corporativo, mas ainda hoje diz muito às pessoas e tem muito a ver com a opção política do estado. Ela não é e não pode ser deixada à mercê da livre concorrência das iniciativas e dos agentes económicos. Conquanto, será que a oferta pública de educação deve ser a única e apenas fornecida pelo estado, ou deve abrir-se à iniciativa/sector privado seja ela de que índole for? (A Constituição da República Portuguesa salvaguarda no seu artigo 73º, ponto, um, que «Todos têm direito à educação e à cultura» e ponto dois, «O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva.»
A questão está levantada! Certo é que a intervenção do sector privado tem acontecido e ela deve ser vista como um complemento daquele que é proporcionado pelos serviços públicos, e esta deve também ser fornecida por outras instituições sociais, como é o caso, por exemplo, das confissões religiosas ou outras instituições de carácter social. Advém daqui, então, outra questão: a liberdade de orientação na educação dos filhos sem possibilidade de meios e/ou capacidades financeiras será possível? Não, ela é inócua. E não podemos também deixar de lado a sempre problemática e controvérsia do financiamento das escolas privadas pelo estado. A este respeito, considero que a escola ou melhor, a própria educação, não deve ser entendida como um produto transacionável, comercializável. A educação tem de ser protegida desta lógica mercantilista, do negócio e da procura do lucro, que advém do movimento da globalização.
Observo que tem de existir uma proteção deste “produto” que é a educação; ele não poderá estar abrangido pela lógica do “preço-qualidade”, pela tese do vendável ou pela lei do mercado que é ditada pelo consumidor. Na questão da educação, a qualidade não existe a qualquer preço! Refira-se a título de exemplo, a problemática questão da gestão das escolas públicas por não profissionais da educação ou professores, mas por gestores. E a questão do valor a pagar pelo serviço que se presta. O preço em educação que se paga pelo serviço é justo? O produto é vendável? Existe retorno possível? Recordemos também a relação entre a qualidade deste valor/produto e a elaboração dos rankings das escolas. Analisando todos estes fatores da qualidade, devemos perceber que tudo isto só pode ser visto como “indicadores” que merecem ser analisados e tratados e que logram da importância que e a dimensão que valem.
Em género de epílogo e neste contexto da globalização, em educação a escola de qualidade que devemos adotar terá de ser uma “escola democrática”, e este conceito é evolutivo. Por exemplo, o que se passou na educação, no nosso país, no pré e pós 25 de Abril de 1974, é bem diferente da escola democrática entendida entre 1980 e 1990. O ideal de escola sofreu profundas alterações: a escola acessível a todos não se preocupava muito com o valor "qualidade". Mas também podemos falar da questão da massificação na educação, e a relação desta com a qualidade que se pretende hoje na escola e que ela é capaz de dar. Por último, e a título de desafio, qual a formação que devem ter hoje os docentes para esta escola que se pretende de qualidade? Fica o repto.
Miguel Alexandre Palma Costa
(Apontamento de Comunicação, II Jornadas de Psicologia, Funchal, 21 e 22 de Fevereiro de 2013)
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