«Os gregos, em geral, tinham-se sentido satisfeitos com a aceitação dos factos “óbvios” da natureza como pontos de partida do seu raciocínio. Não se sabe se Aristóteles alguma vez deixou cair duas pedras de peso diferente a fim de verificar o seu pressuposto de que a velocidade da queda é proporcional ao peso do objecto. Para os gregos, a experimentação parecia irrelevante. Interferia com a beleza da dedução pura, e diminuía essa beleza. Por outro lado, se uma experiência discordava de uma dedução, poder-se-ia ter a certeza de que a experiência estava correcta? Seria provável que o mundo imperfeito da realidade concordasse completamente com o mundo perfeito das ideias abstractas; e se não, seria correcto adaptarmos o perfeito às exigências do imperfeito? Verificar uma teoria perfeita usando instrumentos imperfeitos não impressionava os filósofos gregos como modo válido de obter conhecimento.
A experimentação começou a tornar-se filosoficamente respeitável na Europa com o apoio de filósofos como Roger Bacon (contemporâneo de Tomás Aquino) e, posteriormente, o seu homónimo, Francis Bacon. Mas foi Galileu quem contrariou a opinião grega e efectuou a revolução. Era um lógico convincente e um génio como publicista. Descreveu as suas experiências e o seu ponto de vista tão clara e dramaticamente que convenceu a comunidade culta europeia. E esta aceitou os seus métodos, juntamente com os seus resultados.
De acordo com a história mais conhecida sobre ele, Galileu verificou as teorias de Aristóteles sobre os corpos em queda, e de tal modo o fez que toda a Europa ouviu a resposta. Segundo se diz, subiu ao topo da torre inclinada de Pisa e deixou cair uma esfera de 10 libras e outra de uma só libra, simultaneamente; a queda dos dois corpos no solo a menos de um segundo um do outro liquidou toda a física de Aristóteles.
De facto é possível que Galileu não tenha realizado esta experiência, mas a história dos seus métodos dramáticos é tão típica que não admira ter sido aceite através dos séculos.
O que Galileu fez de facto foi rolar esferas em planos inclinados e mediu a distância que percorriam em tempos bem definidos. Foi o primeiro a realizar experiências de tempo e a usar a medição de um modo sistemático.
A sua revolução consistiu em elevar a “indução” acima dedução como método lógico da ciência. Em vez de construir conclusões a partir de um conjunto bem definido de generalizações, o método indutivo começa por observações e decorre dela generalizações (axiomas, se quisermos). Claro que até os gregos obtinham os seus axiomas a partir da observação; o axioma de Euclides segundo o qual uma linha recta é a distância mais curta entre dois pontos era um juízo intuitivo baseado na experiência. Mas, enquanto o filósofo grego minimizava o papel desempenhado pela indução, o cientista moderno baseia-se na indução como processo essencial de obter conhecimento, o único modo de justificar as generalizações. Mais ainda, o cientista compreende que não pode ser realizada qualquer generalização a menos que seja repetidamente testada através de experiências repetidas – a procura contínua de uma nova indução.
O ponto de vista geral hoje aceite é precisamente o oposto do dos gregos. Em vez de considerarmos o mundo real como uma representação imperfeita da verdade ideal, consideramos as generalizações como simples representações imperfeitas do mundo real. Por muita que seja a experimentação, a generalização nunca pode ser aceite como completa e absolutamente verdadeira. Mesmo que biliões de observações tendam a apoiar uma generalização, basta que haja uma que a contradiga ou seja incoerente para forçar a sua modificação. E independentemente do número de vezes que uma teoria seja testada com êxito, nunca pode haver a certeza de que não seja lançada por terra pela observação seguinte.
Este é, portanto, um aspecto essencial da filosofia natural moderna. Não pretende atingir a verdade última. De facto, a expressão “verdade última” perde significado, porque não existe maneira de realizar um número suficiente de observações para tornar a verdade certa e, portanto, “última”. Os filósofos gregos não reconheciam esta limitação. Mais ainda, não viam qualquer dificuldade em aplicarem exactamente o mesmo método de raciocínio tanto à pergunta “O que é a justiça?” como “O que é a matéria?”. A ciência moderna, por outro lado, faz uma distinção clara entre estes dois tipos de pergunta. O método indutivo não pode fazer generalizações sobre o que não pode observar; e como a natureza da alma humana, por exemplo, não é observável por quaisquer meios directos hoje conhecidos, este tema encontra-se fora do domínio do método indutivo.»
Asimov, Isaac, O Universo da Ciência, Lisboa, Ed. Presença, 1989, pp. 23-24
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