«O fim último de toda a actividade científica – o pensamento, a observação e a experimentação – é a procura de uma representação conceptual coerente da realidade – uma teoria ou imagem da realidade. Uma tal imagem da realidade, nem que seja uma imagem parcial, tem uma estrutura implicativa muito rica, não só para a ciência, como também para a cultura, a tecnologia e o comércio. Essas imagens da realidade mostram-nos novos aspectos do código de construção do universo, criando uma imagem mental que vai além de tudo o que podemos apreender directamente com os nossos sentidos e instrumentos. E a motivação que está por trás da descoberta destas teorias é o desejo do cientista de descobrir o que (com raios e coriscos!) se está realmente a passar.
Uma teoria científica pode ser imaginada como um mapa que, como qualquer mapa vulgar das estradas, nos indica os sítios por onde se anda e descreve o território e as regras a que ele obedece – regras como as que exigem que um rio, no mapa, contorne uma montanha, e que não lhe passe por cima.
Tal como verdadeiros mapas de estrada, os «mapas» das teorias científicas funcionam porque existe ali mesmo, «ali», um território que lhes corresponde, na nossa experiência comum.
Existem mapas grandes, com um grande âmbito, como a teoria da relatividade, de Einstein, ou a teoria da selecção natural, de Darwin. Mas a maioria dos mapas que os cientistas usam no dia-a-dia são mais pequenos e mais pormenorizados, como seja a teoria dos metais ou a teoria da síntese das proteínas. É evidente que a metáfora do mapa irá falhar a certo ponto, uma vez que o mapa é uma entidade espacial, enquanto uma teoria é uma entidade conceptual; de qualquer forma, penso ser uma metáfora útil.
Todas as grandes teorias do mundo natural postulam uma lei ou hipótese que é o seu ponto fulcral. As leis de Newton, na mecânica clássica, e a hipótese de que a informação vai sempre do ADN para as proteínas, e nunca em sentido contrário, na biologia molecular, são exemplos dessas leis postuladas. Na metáfora dos mapas, essas leis reflectem, simplesmente, as regras gerais de que nos servimos quando desenhamos um mapa. Por vezes, a descoberta científica de um novo território faz com que as regras do desenho de mapas sejam modificadas. De qualquer forma, a cada mapa de qualidade está associado um conjunto definido de regras.
A que é que correspondem, no mundo, as leis naturais e em que sentido é que elas existem? Elas são, como irei defender, seguindo o filósofo iluminista Immanuel Kant, os princípios organizacionais que tornam inteligível e coerente a nossa experiência do mundo natural. Estes princípios organizacionais são incorporados num enquadramento lógico e coerente chamado teoria. Uma teoria fornece, portanto, uma imagem lógica do Mundo natural, uma imagem que é, em parte, um produto das nossas mentes e cultura. Mas existe uma parte da teoria, que é, de facto, a parte mais importante, que não é um produto da nossa mente – aquilo a que vou chamar a «estrutura invariante» da teoria. A «estrutura invariante» da teoria corresponde às características da teoria que são independentes da nossa descrição específica do território da natureza e das regras a que ela obedece. Nem todas as teorias possuem essa «estrutura invariante». Historicamente, essas teorias são teorias terminais – becos sem saída na evolução do conhecimento científico.»
Heinz Pagels, Os sonhos da Razão, pp. 202 203, Ed. Gradiva, Lx
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