«É estranho que os filósofos tenham argumentado ao longo de milénios sobre o determinismo e o livre-arbítrio, citando exemplos a favor de uma tese ou de outra sem primeiro terem tentado explicitar a própria ideia de acção (…). Devemos notar em primeiro lugar que uma acção é em princípio intencional (…) Ora, se assim é, devemos dizer que uma acção implica como sua condição necessária o reconhecimento de algo que se deseja (desideratum), ou seja, o reconhecimento de uma lacuna objectiva ou de uma negatividade, de algo que falta ou que ainda não existe. A intenção do imperador Constantino de construir uma cidade cristã que rivalizasse com Roma ocorreu-lhe ao reconhecer uma lacuna objectiva (…) faltava uma cidade cristã. Isto significa que desde o momento da concepção desse acto, a consciência foi capaz de se distanciar do mundo do qual tinha consciência, deixando o plano do ser (do que existe) para se aproximar do plano do não-ser (do que ainda não existe).
Daqui resultam duas importantes consequências:
1- Nenhum estado de facto, seja ele qual for (a estrutura política e económica da sociedade, estados psicológicos, etc.), pode por si mesmo determinar e motivar qualquer acto. Um acto é uma projecção do ser humano em direcção ao que não é ainda e o que é ou existe não pode de modo nenhum determinar por si o que não é.
2 – Nenhum estado factual pode determinar a consciência a vê-lo como negatividade ou lacuna.
A realidade humana é livre porque é perpetuamente arrancada a si mesma (ao seu passado e ao que é) e porque foi separada do que é ou existe e por um nada (a consciência). A liberdade é precisamente esse nada que constitui o centro da realidade humana e que a força a fazer-se a si mesma em vez de simplesmente ser.»
Jean-Paul Sartre, L’Être et le Néant (Adaptado)
«Dostoievski escreveu: «Se Deus não existisse, tudo seria permitido». Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado, porque não se criou a si próprio; e no entanto livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O existencialista não crê na força da paixão. Não pensará nunca que uma bela paixão é uma torrente devastadora que conduz fatalmente o homem a certos actos e que por conseguinte, tal paixão é uma desculpa. Pensa, sim, que o homem é responsável por essa sua paixão.
O existencialista não pensará também que o homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há-de orientar; porque pensa que o homem decifra ele mesmo esse sinal como lhe aprouver. Pensa, portanto, que o homem, sem qualquer apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a cada instante a inventar o homem. Disse Ponge num belo artigo: «O homem é o futuro do homem.» É perfeitamente exacto. Somente, se se entende por isso que tal futuro está inscrito no céu, que Deus o vê, nesse caso é um erro, até porque nem isso seria um futuro. Mas se se entender por isso que, seja qual for o homem, tem um futuro virgem que o espera, então essa frase está certa.
Se suprimi Deus Pai, cumpre que alguém invente os valores. Temos de tomar as coisas como elas são. Aliás, dizer que inventamos os valores não significa senão isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de vivermos, a vida é coisa nenhuma, mas é a nós que compete dar-lhe um sentido, e o valor não é outra coisa senão o sentido que tivermos escolhido.»
Ferreira, Vergílio, in O existencialismo é um Humanismo. Lisboa, Presença, s/d/, p. 241
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