Este espaço comunicativo foi pensado com o propósito de facultar a todos os interessados um conjunto de reflexões e recursos didácticos relativos ao ensino das disciplinas de Filosofia e Psicologia, acrescentado com alguns comentários do autor.

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Quinta-feira, 16 de Novembro de 2023

(Não) Querer ensinar

 

 

Sala de aula.jpg

 

1. Não se conhece a circunstância histórica (causa ou motivo… e a fase no longo e por vezes violento “processo de hominização”) em que o ser humano entendeu – e se persuadiu – de que ensinar ou transmitir algo que aprendeu, dominou ou passou a fazer era necessário e útil para si e para o Outro da sua espécie. No entanto, este fenómeno – a par da inovação exclusiva da nossa espécie (Homo sapiens) de enterrar os cadáveres dos seus congéneres (novas investigações adiantam agora a possibilidade de os Neandertais também já enterrarem os seus mortos) –, assinala um importante passo para a humanidade e na história da Educação, que certamente começou por meio da observação.

 

A observação é, sem dúvida, uma das primeiras “ferramentas” que toda a criança possui para se adaptar (sobreviver) e interagir com o meio-ambiente, tal como o fazem muitas outras espécies animais mais próximas (ou distantes) da nossa. É com base naquilo que observamos que começamos a criar algumas hipóteses – insipientes ‘conjeturas’, juízos, teses… – de compreensão sobre o mundo, os objetos que manuseamos e criamos, sobre as relações sociais e afetivas que construímos e que preservamos… e também é através da observação que desenvolvemos a imitação – outro processo de ensino-aprendizagem que nos possibilita experimentar algumas possibilidades e/ou limites, por exemplo, físico-corporais, comportamentais, emocionais e ainda grupais ou sociais. Antes da invenção e desenvolvimento da escrita (tudo indica que foi por volta de 3500 a. C., no sul da Mesopotâmia), a oralidade, naturalmente em conjunto com outras formas primitivas comunicacionais, teve a relevante função de memorizar e transportar (ensinar) tudo aquilo que era considerado marcante e proveitoso para o ser humano e, em especial, para as gerações mais novas. Ora, como é entendível nesta ordem cronológica que particulariza uma evolução, a nobre, primordial e indispensável função de ensinar é obviamente muito anterior ao processo de criação das primeiras instituições educativas (escolas) na história da humanidade.

 

Na Europa, as civilizações grega e romana desenvolveram um inicial (e básico) tipo de ensino centrado numa vertente militar e atlética (entre os espartanos, a “formação” principiava aos sete anos de idade e centrava-se sobretudo no domínio e aperfeiçoamento das habilidades físicas – os duros treinos físicos tinham como propósito fazer com que os homens estivessem prontos para atividade bélica/guerra, muito apreciada e excecionalmente planeada – e hoje ainda lhes reconhecemos alguns importantes ensinamentos e valores. Porém, é público que o ensino formal do Ocidente tem as suas raízes na “paideia” grega (que significa “educação da criança”), isto é, num sistema de educação e formação ética que se difundiu por todo o mundo helénico e depois pela cultura romana. O grande objetivo da paideia era formar um cidadão “perfeito e completo” (integral, na conduta exterior e atitude interior), capaz de liderar e ser liderado e de desempenhar um papel ativo na polis (cidade-estado), agora muito interpretada pelo termo sociedade. Em suma, a formação de um cidadão prático e simultaneamente humanista – guiado por um determinado sistema político –, era o real e concreto objetivo deste modelo de ensino. No presente, nas nossas salas de aula (com as ‘convenientes’ alterações implantadas pelo decurso dos séculos) e no vigente sistema de ensino público português, ainda permanece muito deste modelo que teve origem por volta do século VIIIº - VIIº a.C..

 

2. Hoje, tal como no passado, ensinar continua a ser uma tarefa (ofício) deveras exigente, uma arte (pois há sempre algo de imprevisível, irrepetível, novo, original ou inovador no ato) e um compromisso entusiasmante, inspirador, se não mesmo “apaixonante”, onde o questionar, partilhar e imaginar/criar são incumbências (missões, deveres…) sempre claras e presentes no espírito daqueles que ousam desafiar a inteligência (e capacidades/competências) nos seus desiguais alunos e em momentos diferenciados.

É verdade que a práxis educativa contemporânea segue orientações, preceitos, regras, bastante precisas e padronizadas pelo conhecimento científico-didático e pelas autoridades políticas que a tutelam, mas a ela estão intimamente aliadas alguma intuição, improvisação, muita criatividade e uma certa dose de dramatização… como é óbvio e percetível, pois julgo que todo aquele que ensina (o educador/a e professor/a) também tem de ter – e ser – alguma coisa de ator (um bom intérprete) se quiser gozar de sucesso junto do seu público! Dito por outras palavras, o professor é atualmente uma espécie de “ator-racional”; é aquela figura que tem uma visão holística sobre o mundo e as mudanças que estão em curso e que se relacionam com o seu valioso trabalho (alguns definem-no como “intelectual-crítico”), que possui autonomia racional, científica e técnico-pedagógica para executar (bem) as escolhas que estão ao seu alcance fazer (provido de uma ação esclarecida/autónoma), apesar de quase esmagado por uma burocracia que prejudica o seu desenvolvimento profissional e até o crescimento pessoal e educativo dos alunos. Acredito que é o fardo desta carga burocrática (por exemplo, de processos administrativos – e avaliativos – redundantes e caducos e de expedientes inúteis fixados por sucessivos governos e ministros/secretários), para além de uma desmedida pressão quotidiana e a falta valorização e reconhecimento do trabalho prestado à comunidade, que hoje incitam muitos daqueles que (ainda) ensinam em Portugal a desistir deste nobre compromisso que é ensinar e preparar as novas gerações para o futuro. Se os mais novos já optaram por não querer ingressar na profissão, então os ‘seniores’ estão neste momento ansiosos para que chegue a idade da reforma.

 

3. No passado dia 5 de outubro assinalou-se o Dia Mundial do Professor, data que deveria servir para todos refletirmos sobre o modo e as desfavoráveis condições que todos aqueles que ensinam, enfrentam – e que precisam de ser corrigidas –, para desenvolverem plenamente (e com qualidade) o seu talento e vocação. É verdade que ensinar oferece a oportunidade única de promovermos um impacto transformador e duradouro na vida do(s) Outro(s) – sejam eles crianças, adolescentes ou até adultos –, contribuindo para a sua formação e realização pessoal e profissional, e que é muito diferente de qualquer outra obrigação profissional. É uma missão singular que não está ao alcance de todos (por múltiplas razões), pois aquele que ensina é também o guardião da experiência da Humanidade, o transmissor de uma herança inigualável que não se pode desaproveitar e/ou maltratar, e o portador de uma colossal esperança no porvir (é um construtor – e sonhador – dos sonhos dos seus alunos). No entanto, hoje enfrentamos uma escassez nacional (e até global) de professores, ampliada pelo rápido declínio das condições de trabalho e a quase insignificante posição/reconhecimento social que estes auferem nas ditas sociedades modernas e hipertecnológicas. Em Portugal, uma larga maioria dos que (ainda) ensinam estão deveras descontentes com o rumo da profissão que escolheram e exercem – melhor, com a falta de expectativas de carreira (já pouco ou nada atrativa), com a parca remuneração auferida, com o diminuto reconhecimento social, com a excessiva carga burocrática e de trabalho administrativo (desnecessário), não esquecendo um sistema de avaliação docente nada transparente e que não premeia o mérito… e com um conjunto de reformas e políticas educativas descabidas e inoperantes – e aconselham agora os mais jovens a não seguirem esta atividade e, portanto, a não ensinarem as gerações mais novas e outras que estão ainda por nascer. Tudo isto – e o que se prevê já nos próximos anos –, dá que pensar!

 

 

Miguel Alexandre Palma Costa

 


rotasfilosoficas às 08:53

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Sábado, 4 de Novembro de 2023

Erro(s) e falhas de memória

 

Erros na política.jpg

 

1. O erro faz parte da condição humana. Muitos (para não dizer “todos”) sentem um qualquer tipo de constrangimento/inibição em dizer ou confessar que erram, falham, que se enganam ou fracassam, que produziram asneiras, anomalias/desvios (e algumas vezes excessos) ou que têm por verdadeiro aquilo que é falso. Larga fração da experiência humana é constituída por erros, mas é conveniente não cometer sempre os mesmos e principalmente apender com os dos outros (e analogamente com os nossos!). É ainda oportuno aqui mencionar que devemos evitá-los, ultrapassá-los e corrigi-los e que a proveniência do erro está muitas vezes no desejo, na impaciência/imprudência, na ignorância e na cólera. Defender e persistir no erro (ou engano), é querer sofrer e, já diz o povo, colossal estupidez e burrice! Porém, alguns teimam em praticá-lo. Há, também casos em que o erro é, digamos, “benéfico”. Por exemplo, no âmbito da educação o erro é indispensável. Muito do progresso no processo de ensino-aprendizagem faz-se por “tentativa e erro”. Aqui não deve haver receio/medo em fracassar ou falhar, até porque será precisamente o erro que vai desvelar algumas das ‘verdades’ (saberes, competências, factos…) de grande valor que há para descobrir. Diz-nos a ciência da Psicologia que este é um método básico de aprendizagem e que praticamente todos os animais o usam para aprender novos comportamentos. Tentativa e erro é o primeiro modo de aprendizagem e ocorre justamente através dos erros, enganos, falhas, lapsos, “disparates”, os quais são necessários para que existam novas e mais tentativas, tornando assim provável encontrar-se a forma correta de lidar com um determinado problema/dificuldade ou questão. Este processo será continuamente repetido até que o sucesso – ou a tão pretendida solução – seja alcançado/a.

 

A este propósito, o conhecido behaviorista norte americano Edward Lee Thorndike, na sua Lei do efeito, diz-nos que existe uma seleção das respostas adequadas e adaptativas, com eliminação das respostas inadequadas (erros), com base num determinado condicionamento – relação entre um comportamento e um estímulo – , encontrando-se finalmente o comportamento ajustado em função do estímulo ostentado. Todavia, não podemos dizer que a aprendizagem realizada pelos animais por tentativa e erro é o padrão da aprendizagem humana. Esta última não é somente uma mudança comportamental, mas algo mais complexo e de assinalável importância.

 

Possui também grande utilidade a incerteza e o erro na investigação/experimentação científica. “Ensaio e erro” é o processo elementar na Ciência e por meio do qual se constrói e adquire “inovador” e atualizado conhecimento. O erro tem fulcral valor na descoberta e progresso científico. Muita da inspiração e inquietação dos cientistas advém dos erros metodológicos e dos resultados negativos obtidos na pesquisa, pelo que é essencial a compreensão destes “equívocos”. Para o epistemólogo Gaston Bachelard, o espírito científico é essencialmente uma retificação do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento e “a sua estrutura é a consciência dos seus erros históricos”. Já para o vienense Karl Popper, autor do famoso critério da falsificabilidade, o erro é igualmente determinante, mas agora para demarcarmos as teorias científicas das não científicas e para refutarmos as científicas. Por outras palavras, uma boa teoria científica é aquela que consegue resistir aos mais rigorosos/severos testes que conseguimos conceder – à sua falsificação (ao erro) – e, enquanto resiste, ela não é rejeitada, mas corroborada.

 

 

2. Na área da política, na quase totalidade das vezes o erro é categoricamente negado por quem exerce o poder. Em Portugal, quando uma decisão política resulta em sucesso, em êxito, em mais ou maior satisfação para a população, o governante e responsável político aparece logo na primeira linha, mas quando o resultado é negativo, um fiasco, um erro ou falha grave – numa palavra, um “escândalo” –, então ninguém está disponível para assumir e responder por o quer que seja. Deste modo, em pleno século XXI, na nobre atividade política, a máxima “errare humanum est” continua a ser desacreditada, pois esta “infecta” (lesa) a imagem (mediática) daquele que assume a falha/engano e arruína a sua carreira e promitente futuro político. Para o ‘excecional’ político, o erro deve ser dissimulado ou negado até contra as mais enérgicas e sólidas evidências, pois os eleitos e representantes do povo julgam-se infalíveis e, nalguns casos, até acima do comum dos mortais. Pelos vistos não é muito nobre pedir desculpas pelo(s) erro(s) gerado(s) – reconhecimento – e apresentar uma justificação plausível ao comum cidadão-eleitor, aquele que na maioria das vezes colherá os frutos (nomeadamente, custos) desse mesmo erro. Ora, coincidência ou não, no dia em que se assinalou um ano da conquista da maioria absoluta do Partido Socialista nas eleições legislativas de janeiro de 2022, o primeiro-ministro António Costa, admitiu (a muito custo) que o seu Governo “pôs-se a jeito e cometeu erros”, mas que também existiram problemas dentro do executivo.

 

Não especificando quais os erros perpetrados e os distintos autores, também não ecoou no seu bem preparado e articulado discurso (e algo inflamado, por motivo de certas questões que lhe foram dirigidas) a eloquência de um pedido de desculpas pelos aludidos erros na governação aos milhões de portugueses que, abono, cuidadosamente o escutaram e interpretavam as suas expressões faciais. (Relembro aqui a popular frase de Cícero que declara que “o rosto é o espelho da alma”, recuperada recentemente pelo jornalista Miguel Sousa Tavares numa entrevista onde disse “basta olhar para a cara deles”). Sem memória, não avaliando bem o passado recente ou sobriamente por pura estratégia política, já neste mês de fevereiro o governo socialista voltou a cair no erro (político), desta vez com a apresentação do Programa “Mais Habitação”, que no entender de toda a oposição, algumas associações ligadas ao sector e vários comentadores da nossa praça é, por um lado “insuficiente para fazer face às reais necessidades dos portugueses” e, por outro, “estatizante”, inaceitável, ilegal e inconstitucional, na medida em que viola nitidamente o direito à propriedade privada. António Costa não é propriamente noviço nestas andanças – e, logo, inocente – e poucas horas depois lá pôs um secretário de Estado a admitir “aperfeiçoamentos” na proposta, por exemplo, relativa ao alojamento local, e vai agora – pois já estão no horizonte as eleições Europeias de 2024 e as Autárquicas de 2025 – querer envolver os municípios, porque sem eles todas estas novas medidas legislativas são inúteis e ineficazes, ou seja, vãs. Como se percebe, se a coisa vier a correr mal (fracassar), se as medidas não passarem do papel ou existirem graves falhas (erros), a culpa/responsabilidade já está descartada e projetada para terceiros, tal como aconteceu com os muitos erros (e seus inerentes efeitos) que o (seu) anterior governo cometeu na gestão da pandemia da Covid-19, entre março de 2020 e inícios de 2022.

 

Na RAM a práxis política é em quase tudo idêntica. Os ilustres soberanos do passado e presente “excluem-se” de todos os equívocos, erros, desvarios ou deslizes praticados. Talvez por ‘falhas’ seletivas na memória, negam investimentos desnecessários, obras que resultaram de deliberações e decisões erradas e gastos excessivos para o erário público e, donde tudo somado, se extraiu uma dívida pública global que está hoje ‘levemente’ acima dos 5.500 milhões de euros. (Um esquecimento motivado e minucioso por inibições de variada ordem, e que para infelicidade nossa parece ser uma tendência natural.) Para se furtarem a qualquer relação com os atos e resultados gerados, desafiam agora os cidadãos (e os críticos) a apontarem obras que não deveriam ter sido realizadas, quando algumas delas são por todos conhecidas e nunca chegaram a estar operacionais. Sobretudo para as gerações vindouras, convinha esclarecer se muitos destes erros foram concebidos por ignorância ou deliberados, e aqui a memória pode auxiliar-nos não só a compreender melhor o passado e presente, mas também a projetar o futuro. Acredito (ainda) que os erros e sucessos do passado podem ajudar-nos a criar um novo (e melhor) rumo para o amanhã.

 

 

 

Miguel Alexandre Palma Costa

in Erro(s) e falhas de memória — DNOTICIAS.PT


rotasfilosoficas às 12:49

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Quarta-feira, 31 de Maio de 2023

(Não) Há vontade?

 

 

Sísifo.jpg

 

1. Janeiro de 2023 começa com mais uma habitual crise num Governo que leva pouco mais de 9 meses de governação. Esta ‘tensão’ estreou-se com um alegado acordo de cessação de funções de Alexandra Reis “como administradora das empresas do universo TAP” (e uma indemnização inabitual de 500 mil euros) e, por agora, já conduziu à nomeação de mais 2 ministros e 6 secretários(as) de Estado para o XXIIIº Governo Constitucional – uma delas não durou mais de 26 horas no cargo –, sendo este formado com base nos resultados das eleições legislativas de 30 de janeiro de 2022, congregando, no presente, 17 ministros e 38 secretários de Estado. (À velocidade a que os ministros e secretários saem e outros tomam posse, é deveras difícil acompanhar e atualizar o número – e as fotografias – nas páginas oficiais do Governo!)

Dizem os comentadores especialistas que tudo isto é normal, fruto de sete anos de governação e que mais cedo ou mais tarde António Costa vai ter de remodelar a fundo este (des)Governo – “e quanto mais tarde pior” – , pois está rodeado de pessoas de fraca qualidade (e prestígio) para reformarmos o país naquilo que é preciso mudar/transformar. Se muitos são fracos políticos e inábeis técnicos nas pastas que ocupam – e também os há na oposição, pois só isso justifica que as sondagens deem uma maioria de portugueses a apoiar quem ainda governa –, raros são aqueles que se afirmam e demonstram condição de estadistas. Aliás, políticos com perfil e ambição de estadistas, ou, pelo menos, com forte sentido de Estado, é mesmo coisa bastante escassa (tal como nobres ideais ou princípios éticos que defendem e aplicam). Nas palavras de um conhecido ex-político, “cada um está lá à procura do seu”, ou seja, pensam apenas na sua própria conveniência (interesses e ambição pessoal) ou na dos seus partidos. Por outras palavras, agem em função dos resultados expectáveis nas próximas eleições e dos lugares que estão desejosos de ocupar, mas (quase) nunca ao serviço do Bem Comum.

Findada (supostamente) a polémica, o resultado final é a produção de um novo “questionário de verificação prévia” que deverá ser preenchido por todos os candidatos a nomeados para cargos de ministro ou secretário de Estado – e a veracidade dos dados, “sob compromisso de honra” –, questionário que compreende não as iniciais 34, mas 36 perguntas que abarcam os últimos três anos de atividade (o mesmo é estendível ao agregado familiar). Nas palavras da ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, este novo mecanismo servirá para evitar surpresas e reforçar a confiança nos governantes. Cada um acredita no que quer, mas parece-me que a utilidade e eficácia deste questionário é nula, para não referir que é mais uma “manobra de distração” e (nova) vaidade do Governo. Marcelo diz agora que o questionário se aplica a todos os que já estão em funções governativas por “bom senso cívico”. A novela promete continuar.

É conveniente aqui lembrar aos menos atentos e conhecedores dos meandros e funcionamento da democracia que esta nasceu de uma crise e que é inconcebível sem crises. Uma democracia pluralista é o regime das crises, ela concebe e sustenta-se de contrariedades, problemas, incómodos, escândalos (“casos”), de ilusões e deceções, de conflitos e de infortúnios (não olvidando o elemento vital, a “esperança” que anima e abre horizontes de futuro), mas, ao mesmo tempo, é o sistema que é capaz de as/os resolver sem ruturas, com negociação, fomentando assim a “arte do diálogo”. Ora, é exatamente de mais e de um salutar diálogo que precisamos nos dias de hoje. Haja, para tal, vontade!

 

2. Para dar forma a estas ideias e escrever as letras e palavras aqui impressas, é imprescindível a manifestação de algo primordial e simultaneamente “espontâneo” no ser humano, mas que vai minguando em muito boa gente, alguma dela com grandes responsabilidades perante os portugueses e o país. Falo, obviamente, daquilo a que por via da regra chamamos “vontade”. É a força da vontade quem domina em nós. Que vence as dificuldades, que suplanta os alegados impossíveis, que dá poder ao querer (do latim quaerere), que modifica as circunstâncias a nosso favor, que determina o ‘Eu’ na procura, construção e participação de um porvir. A vontade remete, então, para uma faculdade/disposição (impulso ou “energia” maior ou menor, expõem certos autores) – e atividade que podemos realizar (ou não) –, assim como uma escolha livre, mas dirigida com um sentido bem definido pelo nosso entendimento e que depois acarreta responsabilidades. Para muitos a vontade é o desejo, um estado da alma definido pelas sensações que pretendemos ou não, mas, para outros, é algo diferente e ultrapassa o próprio desejo. Resgatando aqui um dos pensadores mais marcantes da modernidade e da própria história da Filosofia ocidental, o alemão Immanuel Kant começa uma das suas obras (na qual expõe uma reputada teoria ética deontológica) justamente por descrever o que é uma “boa vontade”, algo através da qual “neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que possa ser considerado como bom sem limitação”. De outro modo, só uma boa vontade pode conduzir a bons discernimentos, boas decisões, boas ações e, segundo as suas palavras, “ao próprio facto de sermos dignos da felicidade”. Ora, por falta de talentos do espírito ou também de coragem; por inaptidões de diversa espécie ou por “vistas curtas”; por imoderação nas paixões/emoções e algumas teimosias ou por “fixações” doentias; por um desfavor especial do destino ou por inexperiência da maioria dos escolhidos; por inutilidade/nulidade nas decisões e escolhas feitas ou por conformidade à sua própria índole; por mau uso dos dons naturais que Deus (ou a natureza) lhes deu ou por ausência/insuficiência de bons princípios éticos, lamentavelmente o que nas últimas décadas tem faltado aos nossos líderes e altos representantes do Estado é uma força e justa determinação da Vontade (política) para sairmos do imobilismo/inércia – estagnação política, económica e social – em que alguns deles nos instalaram. Precisamos de uma (boa) vontade para procedermos às reformas e investimentos estruturantes que são fundamentais realizar no país (e, já agora, na Região), pois só assim gozaremos de um real crescimento económico e verdadeiro aumento da produtividade, que se traduzirá numa palpável (e, solicito, equitativa) distribuição da riqueza pelos portugueses. Por limitação de espaço e tempo, realço apenas alguns exemplos: 1.º- A Justiça é um dos pilares do Estado de Direito democrático, um elemento primordial para uma cidadania plena e para a atratividade e competitividade de qualquer país/Região. O recorrente discurso político (e público) sobre a reforma da Justiça portuguesa contrasta com a realidade. Por escassez de vontade(s), o sistema judiciário português continua a ser incapaz de dar resposta – com qualidade e em tempos úteis – aos problemas daqueles que tem a incumbência de servir. 2.º- Vários foram os governos (e Programas de Governo) que propagandearam reformas “centrais” no nosso sistema nacional de saúde, desde a dos cuidados de saúde primários, a reforma hospitalar… não descurando os cuidados continuados, mas na prática tem prevalecido a gestão conjuntural do dia-a-dia e a degradação/ineficiência do sistema público vai alimentando o crescimento do sector privado, isto porque os cidadãos não encontram resposta no SNS para as suas díspares necessidades. 3º- A Educação também carece de uma grande reforma (e nova estratégia) em Portugal, pois a última data de 1989, ano em que ainda não havia internet, computadores, painéis interativos, telemóveis e um conjunto de outras inovações tecnológicas nas salas de aula que possibilitam o acesso à informação/conhecimento e nos ligam ao mundo digital, não esquecendo a especificidade dos alunos. Numa altura em que as greves e manifestações dos professores estão novamente na ordem do dia, coletivamente todos já percebemos que durante décadas sucumbiu a vontade de compreender as dificuldades de toda uma classe que cuida do nosso futuro (e o respeito), assim como as respostas/soluções para alguns dos antigos problemas – que se avolumaram – e hoje estão interligados aos novos. 4º- O combate à pobreza e exclusão social também não foi uma genuína prioridade nas decisões políticas dos nossos governantes – e ainda não o é –, e tal só se explica por integral ausência de vontade ou então “miopia” política. Neste domínio, o legado é trágico, a pandemia da Covid-19 agravou-o e, para já, não será o Programa de Resolução e Resiliência (PRR) a debelar o problema. Nos acima apontados, tal como em muitos outros domínios, a chave para a solução dos problemas nunca foi verdadeiramente técnica ou financeira, mas sim a ausência de vontade/determinação política. Já diz o provérbio popular: “é a vontade que move montanhas!”.

 

 

Miguel Alexandre Palma Costa

(in https://www.dnoticias.pt/2023/1/30/346257-nao-ha-vontade/)


rotasfilosoficas às 12:51

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