Este espaço comunicativo foi pensado com o propósito de facultar a todos os interessados um conjunto de reflexões e recursos didácticos relativos ao ensino das disciplinas de Filosofia e Psicologia, acrescentado com alguns comentários do autor.

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Sexta-feira, 11 de Maio de 2007

Para (Re)Pensar a Educação em Portugal

 

 
«Os estudantes saem hoje, em regra, tristes, fatigados, sem a alegria de viver que é, no homem, a alegria de compreender, incapazes de reacções vitais, criadoras e entusiastas. Porquê? Porque se está praticando uma verdadeira violência moral com essas vítimas, a flor, o escol dum povo, e que amanhã deveriam ter as responsabilidades da vida social. Se um aluno entra numa escola pelas nove horas da manhã e sai depois das cinco, é lícito perguntar-se pelo horário de trabalho, que ao operário manual não consente semelhantes atletismos. Onde fica a saúde, a graça, a alegria, uma hora para a meditação, para a vida interior da imaginação, que é a base da invenção, ou da inteligência, clarificando e ordenando? É na Patagónia? Não; é em Portugal, e, mesmo assim não há materialmente tempo para dar os programas em toda a sua extensão!!».
 
Coimbra, Leonardo, «Problema da Educação Nacional», in Obras de Leonardo Coimbra, vol. II, Porto, Lello & Irmão Editores, 1983, p. 944.
 
   
 
«Ensinar com seriedade é lidar no que existe de mais vital no ser humano. É procurar o acesso ao âmago da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade e pode devastar de modo a purificar e a reconstruir. O mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objectivos puramente utilitários, é ruinosa. Arranca a esperança pela raiz. O mau ensino é, quase literalmente, criminoso e, metaforicamente, um pecado. Diminui o aluno, reduz a uma inanidade cinzenta a matéria apresentada. Derrama sobre a sensibilidade da criança ou do adulto o mais corrosivo dos ácidos, o tédio, o metano de ennui. Para milhões de pessoas, a matemática, a poesia, o pensamento lógico foram destruídos por um ensino inane, pela mediocridade, talvez subconscientemente vingativa, de pedagogos frustrados. As vinhetas de Molière são implacáveis.
Em termos estatísticos, o anti-ensino constitui praticamente a norma. Os bons professores – os que alimentam a chama nascente na alma do aluno – são talvez mais raros do que os músicos virtuosos ou os sábios. Entre os professores do ensino elementar, instrutores da mente e do corpo, são alarmantemente escassos os que têm plena consciência daquilo que está em jogo, do equilíbrio entre confiança e vulnerabilidade, da fusão orgânica entre responsabilidade e sensibilidade. Ovídio lembra-nos: “Não há maior maravilha.” De facto, como bem sabemos, a maioria daqueles a quem entregamos os nossos filhos nas escolas secundárias, a quem pedimos orientação e exemplo na academia, pouco mais são que amigáveis coveiros. Trabalham para reduzir os alunos ao seu próprio nível de fatigada indiferença. Não “revelam” Delfos – obscurecem-no.
Em contrapartida, o ideal do verdadeiro Mestre não é uma fantasia ou uma utopia romântica inalcançável. Os mais afortunados entre nós conheceram Mestres genuínos, fossem eles Sócrates ou Emerson, Nadia Boulanger ou Max Perutz. Muitas vezes permanecem anónimos: professores ou professoras isolados que, ao emprestarem determinado livro, ao permanecerem disponíveis após as aulas, despertam o talento de uma criança ou de um adolescente, põem em marcha uma obsessão».
 

Steiner, George, As Lições dos Mestres, Lisboa, Gradiva, 2005, p. 25

 


rotasfilosoficas às 22:31

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O conhecimento científico

 
 
A "impressão" científica
 
«O primeiro carácter do conhecimento científico, reconhecido por cientistas e filósofos das mais diversas correntes, é a objectividade,no sentido de que a ciência intenta afastar do seu domínio todo o elemento afectivo e subjectivo, deseja ser plenamente independente dos gostos e das tendências pessoais do que elabora. Numa palavra, o conhecimento verdadeiramente científico deve ser um conhecimento válido para todos. A objectividade da ciência, por isso, pode ser também, e talvez melhor, chamada intersubjectividade, até porque a evolução recente da ciência, e especialmente da Física, mostrou a impossibilidade e separar adequadamente o objecto do sujeito e de eliminar completamente o observador. Este reconhecimento que é essencial na teoria da relatividade e na nova Física quântica, torna o carácter da objectividade mais complexo e problemático do que parecia parecer no século passado, todavia, não elimina de modo algum da ciência o propósito radicalmente objectivo. [...]
Não obstante a oposição de toda a corrente empirista, a ciência moderna é essencialmente racional, isto é, não consta de meros elementos empíricos mas é essencialmente uma construção do intelecto. [...] A ciência pode ser definida como um esforço de racionalização do real; partindo de dados empíricos, através de sínteses cada vez mais vastas, o cientista esforça-se por abraçar todo o domínio dos factos que conhece num sistema racional, no qual de poucos princípios simples e universais possam logicamente deduzir-se as leis experimentais mais particulares de campos à primeira vista aparentemente heterogéneos. [...]
Além disto, os cientistas modernos verificam unanimemente no conhecimento científico um carácter muito alheio à mentalidade científica do século passado, o da revisibilidade. Não há nem nas ciências experimentais, nem mesmo na matemática posições definitivas e irreformáveis. Toda a verdade científica aparece, em certo sentido, como provisória, susceptível de revisão, de aperfeiçoamento, às vezes mesmo de uma completa reposição em causa. Todos os conhecimentos científicos são aproximados, quer pela imperfeição das observações experimentais em que se fundam, quer pela necessária abstracção e esquematização com que são tratados. Os conceitos de adequação total e perfeita devem ser substituídos pelos de aproximação e validez limitada. Esta nova mentalidade científica que deve ser mantida num só equilíbrio é principalmente o fruto de numerosas crises e revoluções da ciência. [...]
Finalmente, um último carácter do conhecimento científico é a autonomia relativamente à Filosofia e à fé. A ciência tem o seu próprio campo de estudo, o seu método próprio de pesquisa, uma fonte independente de informações que é a Natureza. [...] Isto não significa que a Filosofia não possa e não deva levar a termo uma indagação crítica sobre a natureza da ciência, sobre os seus métodos e os seus princípios e que o cientista não possa tirar vantagem do conhecimento reflexivo, filosófico e crítico da sua mesma actividade de cientista. [...] Mas em nenhum caso a ciência poderá dizer-se dependente de um sistema filosófico ou poderá encontrar numa tese filosófica uma barreira-limite que impeça a priori a aplicação livre e integral do seu método de pesquisa. E o mesmo se dirá no que respeita à fé: ela poderá constituir uma norma directriz e prudencial para o cientista, enquanto homem e crente, nunca será uma norma positiva ou restritiva para a ciência enquanto tal.»
 
Selvaggi, F., Enciclopédia Filosófica, Roma, 1957, vol. IV, pp. 444-445.
 

 

O que são teorias?

 

«As teorias [científicas] são sempre, e sempre serão, suposições, conjecturas ou hipóteses. São avançadas, é claro, com a esperança de se descobrir a verdade, ainda que sejam mais as vezes em que a não atingem. Podem ser verdadeiras ou falsas. Podem ser testadas por observações [a principal tarefa da ciência é tornar esses testes cada vez mais severos], e rejeitadas se não passarem neles. [...] Na verdade, com uma lei proposta não podemos fazer mais nada do que testá-la: não serve de nada fingirmos que estabelecemos teorias universais, que as justificámos ou que as tornámos prováveis através da observação. Não o fizemos, e não o podemos fazer. Não podemos dar razões positivas nenhumas a favor delas. Continuam a ser suposições ou conjecturas – ainda que, talvez, bem testadas. No entanto, se considerarmos os problemas que resolvem e as críticas e testes que suportaram, poderemos ter excelentes razões críticas para as preferir a outras teorias – ainda que só provisoriamente e a título de ensaio.»

 

Popper, Karl, O Realismo e o Objectivo da Ciência, vol. I, Lisboa, D. Quixote, 1987, p. 64.
 

 

«Tantas vezes tenho descrito o que considero como o método de autocorrecção por meio do qual a ciência procede que posso ser aqui muito sucinto: o método da ciência é o método de conjecturas ousadas e de tentativas engenhosas e severas para refutá-las.

Conjectura ousada é uma teoria com um grande conteúdo – maior, de qualquer forma, que a teoria que, esperamos, será superada por ela.

Deverem ser ousadas as nossas conjecturas é decorrência imediata do que tenho dito a respeito do alvo da ciência e da aproximação da verdade: a ousadia, ou grande conteúdo, liga-se ao grande conteúdo da verdade; por isto o conteúdo de falsidade pode ser ignorado a princípio.

Mas um aumento no conteúdo de verdade não é, em si mesmo, suficiente para garantir um aumento de verosimilitude; como o acréscimo no conteúdo é uma questão puramente lógica, e como o acréscimo no conteúdo de verdade marcha com o acréscimo de conteúdo, o único campo deixado ao debate científico – e especialmente aos testes empíricos – é haver também aumentado, ou não, o conteúdo de falsidade. Esta nossa procura competitiva da verosimilitude transforma-se, especialmente do ponto de vista empírico, numa comparação competitiva de conteúdos de falsidade (facto que certas pessoas encaram como paradoxo). Parece que também em ciência é certo (como certa vez disse Winston Churchill) que as guerras nunca são ganhas, mas sempre perdidas.

Nunca podemos tomar absolutamente certo que a nossa teoria não está perdida. Tudo quanto podemos fazer é procurar o conteúdo de falsidade da nossa melhor teoria. Fazêmo-lo tentando refutar a nossa teoria, isto é, tentando testá-la severamente à luz do nosso conhecimento objectivo e do nosso engenho. Sempre é possível, sem dúvida, que a teoria possa ser falsa, mesmo que passe por todos os testes; isto é uma concessão devida à nossa busca de verosimilitude. Mas, se ela passar por todos esses testes, então temos boa razão para conjecturar que a nossa teoria, que sabemos ter conteúdo de verdade maior do que a sua predecessora, pode não ter maior conteúdo de falsidade. E se falharmos em refutar a nova teoria, especialmente em campos em que a sua predecessora haja sido refutada, então podemos alegar isto como uma das razões objectivas para a conjectura de que a nova tese é uma aproximação da verdade melhor do que a velha teoria.»

 

Popper, K., Conhecimento Objectivo, S. Paulo,  Ed. Universidade, 1975,  pp. 84-85.
 
 
 

rotasfilosoficas às 22:27

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O Fogo Grego - viagem às origens do pensamento ocidental

 

 
O fogo grego [1]
A fonte: “Conhece-te a ti mesmo!”
  
A missão espacial Apolo, todo esse monumento do progresso do século XX, curiosamente, é dedicado a um deus da antiguidade: Απόλλων. Porquê, ao cabo de dois mil anos da era cristã, construirmos ainda templos de Apolo? Porque pensamos nesta jornada no Espaço – para lá dos limites do nosso planeta – como uma odisseia, e chamamos aos que nela embarcam astronautas? Talvez ignorando que lhes estamos a chamar ‘navegadores das estrelas’, em grego antigo.
Hoje, a tecnologia dá-nos o poder de realizar sonhos e pesadelos, de povoar a Lua ou de aniquilar a Terra; o progresso é o nosso orgulho, mas impacientes por caminhar em frente, precisamos sempre de olhar para trás. A relevância da cultura antiga não sofreu qualquer redução.
O fogo grego[1] era uma substância para destruir os navios inimigos que não se apagava dentro de água. A herança grega é uma “chama” que o tempo não consegue apagar, é uma herança vasta: a sua riqueza é o segredo mágico da sua longa duração.
Nas palavras de Oliver Taplin[2], “a antiga Grécia constitui um mundo tão grande, tão rico de abordagens e realizações, que cada época se vira para ele reflectindo as suas próprias prioridades e preocupações, descobrindo nele a orientação dos problemas específicos para os quais procura esclarecimento. E, então, passamos a ter não um monumento gigante, de aspecto sempre igual, seja qual for o local e o tempo de onde se observe, mas algo mutante, algo com tantos ângulos e facetas diferentes, que em cada época é percepcionado de maneira diversa, isto é, cada época dele retira ensinamentos diferentes.”
 
Os Estados Unidos são hoje o “novo mundo”, colonizado à várias gerações por peregrinos do “velho”. Embarcaram em direcção a este continente desconhecido para começarem de novo, para pintarem uma nova imagem de si mesmos sobre a grande “tela em branco” da América. Construíram uma cidade, ergueram as primeiras casas neste vale: era um sonho e o futuro deles, mas edificaram-no sobre uma visão do passado. E o passado diz tudo sobre eles, à medida que o futuro se desdobra em indícios e hipóteses, um quadro novo através do qual afloram os detalhes do antigo.
O fogo grego arde mesmo num vale do Midwest americano, porque, quando os colonos cristãos revolveram as suas imaginações para dar um nome à cidade, lembraram-se de uma cidade pagã, distante no tempo e no espaço, um símbolo de estabilidade na fronteira limite da civilização. Mas era o nome de uma cidade estranha, militarista, uma cidade onde as viagens ao exterior eram virtualmente banidas e os visitantes não eram bem vistos; uma cidade de ordem e disciplina, onde os rapazes saudáveis deixavam o lar aos cinco anos para se incorporarem no exército e os bebés deficientes eram abandonados nas montanhas para morrerem; onde o comércio era desencorajado e o dinheiro de difícil manejo, onde a bravura inabalável e a austeridade eram universais, onde todos os assuntos pessoais – a dieta, a vida sexual, a esperança, os medos, os desejos, os movimentos de cada um, etc. – eram controlados pelo Estado. O nome que escolheram foi Esparta.
Segundo Francis C. Harr [3], «a ideia de Esparta foi lançada por um dos primeiros colonos que acreditava que as qualidades necessárias aos pioneiros eram as dos espartanos dos tempos antigos».
‘Tempos antigos’, por outras palavras, o passado comunica antes mesmo de ser compreendido. Ora, a Grécia sobrevive, em parte, como história, em parte, como mito, Mais uma vez, Harr, diz-nos que o nome utilizado – Esparta – foi como um talismã para o espírito dos pioneiros e «que na sua colecção de distintivos da polícia, existem mais de sete “Espartas” diferentes nos EUA, uma delas no leste».
Interessante é reconhecermos que a nação mais poderosa do mundo continua a ser uma nação de imigrantes. A Grécia é a pedra de toque para a autoconfiança de uma cultura sem raízes históricas profundas. Existe a necessidade de um ponto de referência, uma necessidade à espera de ser explorada.
 
Em tempos a maior potência militar da Grécia clássica – Esparta – hoje resume-se a ruínas quase ocultas. Muito pouco sobreviveu. A literatura grega chega-nos copiada em papiros esfarrapados e em caracteres dificilmente decifráveis. Face a face, sentimos que estas letras vêm de um mundo incomensuravelmente distante e há nelas algo de interdito.
Byron[4] não se deixou intimidar. Com um vandalismo tipicamente sobranceiro, gravou o nome no Templo de Sonium. Lorde Byron visitou as origens, a Grécia quando esta era ainda um exótico posto avançado no limite oriental da Europa. A sua poesia imortalizou um novo sonho da Grécia que arrebatou o público na Inglaterra. Também eles poderiam regressar à Arcádia em imaginação. Byron fez das ruínas uma virtude; as pedras quebradas realçavam o pathos do passado, o mundo aprendia a amar os fragmentos.
John Keats[5] descreve uma dor vertiginosa que mistura a antiga grandeza com o rude desperdiçar dos velhos tempos. Mas os fragmentos evocam mais do que o pathos. Irritantemente incompletos, apelam para a nossa reconstituição do todo. A Grécia que tanto exaltou a perfeição da forma, seduz a imaginação por ser ela própria um fragmento que cada geração descobre novas maneiras de reconstruir.
Na concepção de Kenneth Dover[6], «cada indivíduo, olhando para a Grécia, faz selecções diferentes daquilo que lhe parece mais importante no/do mundo grego. E, quando olhamos para os quadros que têm sido compostos nos últimos séculos, vemos que toda uma geração forma uma determinada imagem de certas coisas que já lá estavam, mas às quais a importância, a prioridade, são conferidas por quem as olha…, não necessariamente pelos gregos. Por exemplo, houve em tempos a moda de colocar Esparta no centro do palco, em vez de Atenas. Esparta, porque se pensava que era uma comunidade com uma autodisciplina verdadeiramente única. Depois, talvez particularmente no século XIX, houve uma tendência para imaginar que os gregos eram todos filósofos, que não sujavam as mãos; sentavam-se a discutir Geometria, Filosofia, etc., enquanto os escravos faziam todo o trabalho.»
   

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  Santuário de Delfos
   
A via sagrada, em Delfos. Os últimos passos que os peregrinos percorriam para chegar ao templo de Apolo, em busca da orientação do famoso oráculo. O templo também ele caiu em ruínas, mas a peregrinação continua! A nossa história tem sido moldada por gerações de pensadores que regressam a este local buscando o seu caminho.
O autor Bernard Knox[7] diz-nos a este propósito que, «a influência mais importante da Grécia sobre a civilização ocidental não é de tipo permanente, mas recorrente. De vez em quando os textos gregos, a arte grega, a filosofia grega, são redescobertas ou reinterpretadas por algum estudioso/intérprete influente e o efeito é sempre revolucionário». No entanto, estranhamente, os intérpretes mais revolucionários do ideal grego nunca visitaram a Grécia, tal como o público de Byron. A Grécia a onde regressaram não é um local físico, mas um lugar de imaginação e esta peregrinação imaginária jamais foi interrompida.
Segundo Richard Jenkyns[8], «pode parecer surpresa que no século XX ainda haja influências novas vindas da antiga Grécia e, não obstante, creio ser esse o caso. Para se compreender um determinado século há que recuar ao precedente e, no século XIX ou princípio do XX, existem três pensadores do mundo de língua germânica que influenciaram profundamente o nosso tempo. Estou a pensar em Marx, Freud e Nietzsche».
Karl Marx idealizou a Grécia como a infância da humanidade. A sua fé de que através da revolução o mundo poderia conquistar um futuro utópico, baseava-se, em parte, na sua confiança num passado [também ele] utópico.
  
  A visão da Grécia de Friedrich Nietzsche constitui o seu fundamento para ridicularizar a moral e pregar a doutrina de uma realização pessoal sem quaisquer entraves. As suas ideias, sob uma forma pervertida, tornaram-se a base da ideologia nazi.
Sigmund Freud conferiu uma estrutura grega ao seu pensamento, nomeadamente ao baptizar o complexo de Édipo. Com Freud, toda uma interpretação da Grécia formou o entendimento que o nosso século tem de si próprio.
Neste âmbito, o pensador George Steiner[9] afirma que «não posso conceber as nossas ideias sobre o ego, sobre as relações humanas, sobre as neuroses, a doença, a patologia – uma palavra grega –, a terapia – outra palavra grega… não consigo idealizar a noção de conflito de gerações entre pais, mães e filhos, sem a estrutura do modelo grego por detrás».
O fim da peregrinação, o Templo de Apolo. Sobre a entrada havia antigamente uma inscrição que dizia simplesmente: “Conhece-te a ti próprio!”[10]. É este o objectivo da nossa peregrinação imaginária, o autoconhecimento. As interpretações da Grécia moldaram o nosso inconsciente cultural, e o regresso é uma tentativa de explorar essas interpretações e compreender as forças que nos tornaram aquilo que somos.
O efeito raras vezes é dramático. A Grécia e o seu simbolismo estão infiltrados nas nossas vidas comuns reconfortante e familiares. Será que nos apressamos demasiado? Poderá ser um meio para um conhecimento revolucionário de nós mesmos? A Grécia é algo a que nos agarramos em busca tanto de apoio como de esclarecimento; é algo que partilhamos e é mais cultural do que comercial.
A Grécia encontra-se notoriamente associada às estruturas (sistema, organização política, democracia, etc.) instituídas. O atractivo emocional da Grécia tem sido precisamente o de nos dar segurança. Pensamos nela como imutável, um ponto de retorno certo, junto do qual nos sentimos seguros. A Grécia é o nosso modelo: duradoira, clássica, acima das particularidades. Questionar isto ou utilizá-lo como um meio de questionar é ir contra a essência. Mas a solidez dos pilares e arquitraves é enganadora: o mundo grego era instável, céptico e dramático, um mundo de interrogações mais do que de respostas.
Os gregos legaram-nos o desejo inquieto de atingir um ideal, de descobrir através do autoexame como deveria ser vivida a vida humana perfeita.
Steiner refere que «não restam dúvidas de que essa península rochosa, mais as suas ilhas, disseram ao mundo ocidental: “tentaremos demonstrar-vos como a ocupação com o ócio, com o desporto, o pensamento, a arte, a dança, a música, o tornar as coisas belas e fascinantes, pode integrar-se numa sociedade. Tem de integrar-se!… e, desde muito cedo, os gregos parecem ter-nos transmitido esse sonho de uma vida ideal, equilibrada”».
Em suma, os gregos voltaram a olhar para dentro de si, hipnotizados pelo potencial interior que descobriram. O seu mundo caracterizava-se pela dimensão humana e consideravam as formas humanas como o tema mais adequado à grande arte. Queriam tornar real a perfeição, e eram impelidos por um infinito desejo de a alcançar, de progredir. Ora, nós herdámos esse desejo grego, mas com que consciência crítica? Apercebemo-nos da presença grega oculta no mundo à nossa volta. Mas será que vemos a influência latente ou apenas a mais óbvia? Elas são igualmente penetrantes.
Neste contexto, Taplin diz-nos que «os tempos sem consciência do passado, ou com escassa consciência dele, são tempos perigosos. Uma época que pensa que as suas prioridades e preocupações são as únicas que interessam, uma época que ostenta essa espécie de autoconfiança complacente, é uma época que vai meter-se em sarilhos. E, nestes últimos anos do século XX, há um novo despertar para o passado».
 
Cada época tem vivido no interior do seu aquário da história, parcialmente cega para o passado. Mas nós somos fruto do nosso passado, das influências que carregamos connosco. O passado apresenta alternativas, liberta-nos para questionar os preconceitos, ou pelo menos para lhes detectar as origens. O passado pode libertar-nos da tirania do presente, uma tirania que o mundo moderno inventou maneiras de intensificar.
O nosso modo de ver o mundo é cada vez mais condensado, isto é, temos uma indescritível abundância de imagens, vemos lugares que nunca visitaremos, pessoas que nunca havemos de conhecer. É toda uma nação num relance que chega até nós no isolamento dos nossos lares.
A tecnologia faz proliferar informação, mas poderá aprofundar o conhecimento? Esta representação eclética do mundo pode cortar as nossas relações com os outros e com um passado que achamos cada vez mais difícil de imaginar, um passado que nos moldou e que pode guia-nos até ao futuro e para fora dos limites do nosso estreito presente.
Steiner afirma que «caímos, de facto, num ideal do privado muito forte. A crença de que uma vida boa é a que levamos no nosso casamento ou nas relações amorosas, nos nossos pequenos círculos de amizades, a convicção de que as nossas obrigações são, em primeiro lugar, para com essas círculos e laços – o famoso debate “antes trair o país do que um amigo” –, que é um debate extraordinariamente moderno; o sentimento de que o melhor de nós se encontra atrás das portas fechadas da casa… Para o pensamento grego isto seria um escandaloso falhanço da maturidade humana! E os gregos tiveram uma previsão clara do nosso destino: ao chegarmos a esse ponto seriam os mafiosos, os bandidos e toda a ralé a sentar-se nas cadeiras do poder».
Hoje, o poder transformador da tecnologia é o nosso orgulho e a nossa neurose. Como vamos racionalizar o mundo caótico criado por esse poder?
Steiner questiona-nos:
«Agora que andamos tão preocupados com o colapso da nossa grandiosa revolução industrial, que deveríamos ler? Em nome do bom senso, a passagem em que Aristóteles diz: “Cuidado! Se a tua cidade se torna tão grande que um grito por socorro, algures no centro, não se faz ouvir aos portões, é porque provavelmente cresceu demais”.»
Os gregos estiveram entre os primeiros a dizer que é a dignidade e a nobreza do Homem que o levam a prosseguir a investigação a onde quer que ela conduza... e a qualquer preço! Isso significa, criar a vida a partir de tubos de ensaio, inventar a bomba de hidrogénio, enviar homens para Marte, tudo em nome da verdade da descoberta. E, de repente, estamos a interrogar-nos – nós que somos os filhos desse ideal grego – será, tudo isto, saudável? Podemos, de facto, cumprir de acordo com o fio que nos tem guiado no labirinto – um outro mito grego –, se o Minotauro da autodestruição, nuclear ou biogenética, nos espera no términos da nossa pesquisa?
 
A vida humana está a mudar. Mais depressa do que no século passado e do que nos vinte anos antes dele. O fim do milénio é um tempo sugestivo e instável, um tempo para reavaliar. Os gregos estão destinados a fazer sempre parte dessa reavaliação.
A nossa jornada em direcção ao futuro é uma odisseia, mas todas as odisseias integram um sentido de regresso ao passado. Para andar para a frente é preciso olhar para trás. Os gregos inculcaram essa dupla noção, esse desejo de fazer ambas as coisas, bem no fundo da nossa identidade.
 
 
Miguel Alexandre Palma Costa, 01/ 2007
 

[1] Nome de documentário televisivo transmitido na RTP (Canal 1) no início dos anos 90 (século XX).

[2] Fogo grego era uma mistura viscosa que se inflamava quando em contacto com a água, muito utilizada pelos gregos bizantinos contra os inimigos, em geral muçulmanos, nas diversas tentativas de tomada que Constantinopla enfrentou durante a idade média. Frequentemente armazenada em pequenos vasos de barro, podia ser lançada de muralhas e barcos directamente sobre o inimigo. Não há relatos escritos a respeito da composição química dessa arma – os bizantinos esconderam ou destruíram a fórmula, para evitar que caísse nas mãos de inimigos –, mas uma provável hipótese é que ela fosse feita a partir de cal viva (óxido de cálcio), petróleo, nafta, enxofre e salitre, entre algumas outras substâncias.

[3] Professor no Magdalen College, em Oxford, desde 1973. Algumas das suas principais obras são: The Stagecraft of Aeschylus (1977), Greek Tragedy in Action (1978), e Comic Angels (1993). A sua área de pesquisa e interesse é sobretudo o mundo antigo grego e suas influências ou receptividade na contemporaneidade. Teve, igualmente, uma participação relevante em produções teatrais relativas ao mundo grego: The Oresteia no National Theatre (1980-81), The Thebans no RSC (1991-92), e The Oresteia novamente no National Theatre (1999-2000).

[4] Tenente no Departamento policial de Esparta, no estado de Winsconsin.

[5] George Gordon Byron, poeta inglês, nascido em Londres, em 1788 (m. 1824). A imagem de uma vida excitante e turbulenta fazem da sua personalidade, como da sua obra, o protótipo do poeta romântico. As influências que deixou na cultura europeia foram inúmeras, quer na poesia como na música, no romance, na ópera, na pintura e numa certa corrente de “moralidade”.

[6] Professor de grego na Universidade de Stanford, Califórnia. Entre as suas principais obras encontramos: Greek Word Order (1960), Aristophanic Comedy (1972), Greek Homosexuality (1978), e and The Greeks and their Legacy (1989).

[7] Professor na Universidade de Yale e director do Centro de Estudos Helénicos, em Washington. De entre as obras publicadas, destacam-se: The Heroic Temper, The Oldest Dead White European Males, e Backing into the Future: The Classical Tradition and Its Renewal.

[8] Professor de Cultura Clássica na Universidade de Oxford (Fellow of Lady Margaret Hall); autor de títulos como: Dignity and Decadence: Some Classical Aspects of Victorian Art and Architecture e The Victorians and Ancient Greece.

[9] George Steiner (n. 1929, Paris), é actualmente professor de Literatura Comparada na Universidade de Oxford e de Poesia em Harvard. Foi companheiro de faculdade de Churchill, Cambridge (1961) e mais tarde professor de Literatura Inglesa e Comparada na Universidade de Genebra (1974-1994).

[10] «Os eruditos concordam que, na Grécia primitiva, isto significava «Sabe que és mortal, sabe que não és um Deus», mas o seu significado tem vindo a alterar-se. No século V a.C., Sócrates era considerado, pelo oráculo, o homem mais sensato do mundo: ele teria interpretado provavelmenteaquelas palavras como estando próximas da sua máxima «A vida não examinada não merece ser vivida». Friedrich Nietzsche, o perturbante percursor das inquietações do século XX, disse: «No início das nossas buscas, o que o oráculo proclama é: Conhece-te a Ti Próprio. É uma frase difícil, pois o senhor de Delfos não esclarece nem esconde, oferece signos, como disse Heraclito». Para Nietzsche, os símbolos apontavam para a libertação do eu.

Na época de Freud, a frase significava em primeiro lugar a procura introspectiva do eu real, a busca das nossas motivações profundas.

No final do século XX, na era «pós-moderna», a frase passou a significar também «sabe de onde vens, uma vez que o passado não pode ser destruído e deve ser conhecido». Tal como Freud disse que a infância deve ser estudada para compreender o adulto, assim devemos nós olhar para a «infância da humanidade», como Marx chamou à Grécia, ao tentar clarificar o presente. Assim, a antiga mensagem grega, a sua matriz original foi quebrada à muito. Tem tido diferentes significados em diferentes épocas; e muitas interpretações têm sido «correctas» para diferentes tempos e lugares. É monumental e eterna, ainda que fragmentada e aberta a novas leituras». (Oliver Taplin, Fogo Grego, Gradiva /RTC).


rotasfilosoficas às 22:22

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