Sexta-feira, 26 de Setembro de 2008

Antes de procurarmos responder a esta questão que tanto tem perturbado as mentes dos lusitanos nos últimos dias – e só depois da exibição de um programa televisivo chamado Momento da Verdade – talvez seja importante dizermos em que consiste o polígrafo.
O polígrafo (vulgarmente chamado “detector de mentiras” ou psychophysiological detection of deception) é uma máquina/aparelho que mede, através de sensores que são colocados na pessoa interrogada, alterações fisiológicas, como a pressão arterial, a contracção involuntária dos músculos, o batimento cardíaco, a respiração, etc., quando esta responde.
Ora, vários estudos realizados demonstraram que este aparelho pode, com alguma fiabilidade, detectar sete em cada dez mentiras, isto é, a sua taxa de sucesso é de apenas 70% (embora pessoas como a apresentadora Teresa Guilherme e Rita Ferro Rodrigues “garantam”, não sabe bem com base em quê, que o polígrafo não mente!). Ou seja, em alguns casos estudados com criminosos onde a mentira era deveras convincente, o polígrafo mesmo assim não registava nenhuma reacção que indicasse que este estava a mentir (também se conhecem estudos em que pessoas com desordens mentais passaram no teste e outros em que os nervos, a angústia, a tristeza e o medo alteraram os valores de “verdade”). Por outras palavras, os resultados que o polígrafo nos pode fornecer nunca serão 100% conclusivos, o que significa que esta “maravilha” da ciência e técnica – e agora da televisão generalista portuguesa – não são a Verdade.
Assim, podemos concluir que não é o polígrafo que mente, mas sim a pessoa, e a pessoa é muito mais “sofisticada”, complexa, delicada, etc., que qualquer máquina por ela inventada, até porque foi ela que a criou e conhece-lhe todas as potencialidades e limites. À frase “o polígrafo não mente!”, devemos responder, “você não está a dizer a verdade!”.
Mas, de facto, isto só vem demonstrar que o homem ainda acredita que pode ter acesso à Verdade e que esta é possível de ser atestada por um simples mecanismo mecânico que todos podem usar e testar. É caso para dizer, que belo sonho o nosso e quanto estavam enganados filósofos como Sócrates, Platão, Agostinho, Kant, etc., para quem a Verdade era algo bem mais complexo e inatingível neste mundo…
Miguel Alexandre Palma Costa
Terça-feira, 23 de Setembro de 2008
Lógica aristotélica ou clássica |
O estudo das condições em que podemos afirmar que um dado raciocínio é correcto, foi desenvolvido por filósofos como Parménides e Platão. Mas foi Aristóteles quem o sistematizou e definiu a lógica como a conhecemos, constituindo-a como uma ciência autónoma. Falar de Lógica durante séculos, era o mesmo que falar da lógica aristotélica. Apesar dos enormes avanços da lógica, sobretudo a partir do século XIX, a matriz aristotélica persiste até aos nossos dias.
Os principais escritos de Aristóteles sobre lógica, foram reunidos pelos seus continuadores após a sua morte, numa obra a que deram o nome de Organon, e que significa “Instrumento da Ciência”.
O Organon está dividido nas seguintes partes:
1. Categorias (escritos sobre a teoria dos tipos, isto é, uma teoria na qual os objectos são classificados de acordo com o que se pode dizer significativamente acerca deles).
2. Tópicos (escritos para orientar todos aqueles que tomam parte em competições públicas de dialéctica ou discussão).
3. Refutações dos Sofistas.
4. Interpretação (escritos sobre os juízos).
5. Primeiros Analíticos (escritos sobre o silogismo em geral).
6. Segundos Analíticos (escritos sobre a demonstração).
Foram múltiplas as contribuições de Aristóteles para a criação e desenvolvimento da lógica como a conhecemos. Entre outras, devem-se-lhe as seguintes contribuições:
1ª- A separação da validade formal do pensamento e do discurso da sua verdade material;
2ª- A identificação dos conceitos básicos da lógica;
3ª- A introdução de letras mudas para denotar os termos;
4ª- A criação de termos fundamentais para analisar a lógica do discurso: “Válido”, “Não Válido”, “Contraditório”, “Universal”, “Particular”.
A lógica de Aristóteles tinha um objectivo eminentemente metodológico. Tratava-se de mostrar o caminho correcto para a investigação, o conhecimento e a demonstração científicas. O método científico que ele preconizava assentava nas seguintes fases:
1.º Observação de fenómenos particulares;
2.º Intuição dos princípios gerais (universais) a que os mesmos obedeciam;
3.º Dedução a partir deles das causas dos fenómenos particulares. Aristóteles estava convencido que se estes princípios gerais fossem adequadamente formulados, e as suas consequências correctamente deduzidas, as explicações só poderiam ser verdadeiras.
Apesar dos enormes avanços que produziu, a lógica aristotélica, tinha enormes limitações que se revelaram mais tarde, verdadeiros obstáculos para o avanço da ciência:
1ª- Assentava no uso da linguagem natural, e portanto, estava muitas vezes enredada nas confusões sobre o sentido das palavras (polissemia).
2ª- Atribuiu uma enorme importância ao estudo dos 256 modos do silogismo e à consideração de enunciados que continham exactamente dois termos. Os seus continuadores, acabaram por reduzir a lógica ao silogismo.
Ainda na antiguidade clássica são de referir os notáveis contributos para a lógica formal devida aos estóicos.
Durante a Idade Média, em especial durante o florescimento da escolástica (séculos XIII a XV), foram realizados notáveis progressos na lógica aristotélica. A lógica tornou-se mais sistemática e progressiva. São de salientar os contributos de Duns Escoto, Guilherme de Occam, Alberto da Saxónia e Raimundo Lúlio.Este último concebeu o projecto de mecanização da lógica dedutiva, ideia mais tarde desenvolvida por Leibniz. É neste período que o português Pedro Hispano escreve a Summulae Logicals, o tratado de lógica mais difundido em toda a Europa até ao século XVI.
A lógica foi durante a Idade Média entendida como a “ciência de todas as ciências”. Competia-lhe validar os actos da razão humana na procura da Verdade. De acordo com o pensamento corrente no tempo, o saber científico tinha que obedecer à lógica formal. A partir de um conjunto de princípios universais admitidos como verdadeiros, por um processo dedutivo procurava-se encontrar a explicação para todos os fenómenos particulares. Embora este método fosse igualmente preconizado por Aristóteles, na Idade Média deu-se uma enorme importância à dedução, desvalorizando-se por completo a indução na descoberta científica. Este facto teve como consequência ter-se cortado com a base empírica da investigação.
A partir do século XVI a lógica aristotélica começa a ser questionada. Os métodos dedutivos que a mesma preconizava para a investigação científica, começam a ser postos em causa, com o emergir da ciência experimental. A partir do particular os cientistas procuram agora atingir o universal, e não o contrário, como preconizava a lógica aristotélica. Rompeu-se assim com os estudos seculares da lógica dedutiva e procurou-se fundamentar as regras do raciocínio indutivo. A lógica formal entra num período de descrédito, devido às críticas de filósofos como Francis Bacon (1561-1626) e R. Descartes (1596-1650).
A principal obra de F. Bacon – Novo Organon – indica desde logo a sua intenção de substituir o organon aristotélico. Tratava-se de criar um novo método de investigação científica – o método indutivo – experimental. A principal contribuição está no facto de ter valorizado o papel da indução. A investigação científica devidamente conduzida era uma ascensão gradual indutiva, desde as correlações de baixo grau de generalidade até às de maior nível de generalidade.
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) ocupa um lugar especial na história da lógica. Este filósofo procurou aplicar à lógica o modelo de cálculo algébrico da sua época. Esta é concebida como um conjunto de operações dedutivas de natureza mecânica onde são utilizados símbolos técnicos. Era sua intenção submeter a estes cálculos algébricos a totalidade do conhecimento científico. Na sua obra Dissertação da Arte Combinatória, apresenta os princípios desta nova lógica:
1. Criação de uma nova língua, com notação universal e artificial;
2. Fazer o inventário das ideias simples e simbolizá-las de modo a obter um "alfabeto dos pensamentos" simples expressos em caracteres elementares;
3. Produzir ideias compostas combinando estes caracteres elementares;
4. Estabelecer técnicas de raciocínio automatizáveis, de modo a substituir o pensamento e a intuição, por um cálculo de signos.
O raciocínio torna-se, neste projecto de Leibniz, um cálculo susceptível de ser efectuado por uma máquina organizada para o efeito. Esta ideia irá inspirar até aos nossos dias não apenas o desenvolvimento da lógica, mas a criação de máquinas inteligentes.
Ao longo do século XX assistiu-se por um lado à generalização e diversificação dos estudos da lógica matemática (George Boole [1815-1864] é considerado o pai da lógica matemática), atingindo um elevado grau de formalização.
A lógica possui actualmente um sistema completo e complexo de símbolos e regras de combinação de símbolos para obter conclusões válidas. Este facto tornou-a particularmente adaptada a ser aplicada à concepção de máquinas inteligentes.
No século XX, os inventores de máquinas inteligentes tinham então ao seu dispor uma ferramenta fundamental: uma lógica amplamente formalizada. As operações lógicas elementares foram rapidamente aplicadas nas novas máquinas. O primeiro computador totalmente automático, o IBM-Havard Mark 1, só se concretizou em 1944. Dois anos depois, Eckert e Mauchly apresentam o ENIAC, um computador totalmente electrónico. Em 1950, entra em funcionamento o EDVAC, concebido, entre outros, por Von Neumann. Este computador tinha duas características que se tornaram comuns aos futuros computadores: os programas memorizados e o sistema numérico binário (criado pelo matemático e lógico G. Boole).Os primeiros circuitos integrados práticos datam de 1959. Os microprocessadores foram inventados em 1969, no ano em que surgia a Internet. Começava então a revolução dos computadores.
O desenvolvimento dos computadores acabou por impulsionar o aparecimento de uma nova ciência nos anos cinquenta, a inteligência artificial. Esta ciência dedica-se ao estudo da construção de máquinas capazes de simularem actividades mentais, tais como a aprendizagem por experiência, resolução de problemas, tomada de decisões, reconhecimento de formas e compreensão da linguagem. As linhas de investigação são essencialmente três: simulação das funções superiores da inteligência; modelização das funções cerebrais, explorando dados da anatomia, fisiologia ou até da biologia molecular; reprodução da arquitectura neuronal de um cérebro humano, de forma a produzir numa máquina condutas inteligentes.
Miguel Alexandre Palma Costa

(Textos de Apoio ao 10º Ano)
«Não há introdução a um domínio, seja ele qual for, sem uma definição prévia daquilo que se vai falar. Uma introdução à numismática, por exemplo, dedicar-se-á primeiro a definir o que são as medalhas, em quem é que estes objectos se não confundem com as simples moedas, como é que esta ciência se distingue da história económica, da história da arte, etc.
Uma introdução à filosofia, [...] encontra-se colocada perante dificuldades particulares, pois é bem conhecido que o objecto e os métodos da filosofia não têm a clareza unanimemente reconhecida das ciências. Certos filósofos, entre os maiores, como Nietzsche, Wittgenstein ou Heidegger, anunciaram a morte, próxima e definitiva, da filosofia. Estes anúncios parecem um pouco paradoxais, já que se encontra sempre um filósofo que, em seguida, vem re-interpretar este fim da filosofia. Eu penso no grande livro de Heidegger sobre Nietzsche, mas também em Wittgenstein refutando-se a si próprio, quinze anos após o Tratactus. Mas eles têm o mérito de chamar a atenção sobre a particularidade da filosofia, que parece viver de refutações, de debates, de querelas.
Não podendo mostrar o objecto da filosofia, como o numismata pode exibir o objecto dos seus estudos, contentamo-nos com este primeiro critério, bastante formal, é verdade: a filosofia nasce, vive e perdura graças aos debates entre os filósofos. Ela é um perpétuo diferendo, e este traço é tão marcante e parece, a certos olhares, tão escandaloso, que a maior parte dos filósofos são tentados a resolver estes conflitos e anunciar, como Kant, “a próxima conclusão de uma tratado de paz perpétua em filosofia”. Em vão.
Lacoste, Jean, La Philosophie au XX siécle – Introduction à la Penseé Philosofique Contemporaine, Paris, PUF, 1988, p. 10.
«“O que é a filosofia?” [...] conhece-se uma quantidade incalculável de respostas. No entanto, nenhuma delas pode ser considerada categoricamente como certa ou errada. Porquê? Porque cada uma diz respeito a uma outra questão mais particular. Assim a definição aristotélica de filosofia não é, no fundo, mais do que a definição da filosofia de Aristóteles. [...] Ora, a história da filosofia mostra-nos que quase todos estavam convencidos de que a sua doutrina exprimia, de maneira adequada, a essência invariável da filosofia.
Portanto, se nos encontrarmos face a respostas múltiplas, a solução não pode reduzir-se à escolha daquela que pareça a mais válida, é preciso ainda estudar esta multiplicidade específica, o que ao fazê-lo nos levará a compreender que a questão “o que é a filosofia?”, bem como as variadas respostas que ela provoca, nos obrigam a debruçar-nos sobre a realidade, infinitamente variada, que a filosofia procura apreender.»
Oizerman, Theodor, Problemas de História da Filosofia, Lisboa, Livros Horizonte, 1976, pp. 50-51.
Filosofia ou filosofias?
«A Filosofia-em-si não existe, tal como não existe o Cavalo-em-si; há apenas filósofos como há apenas cavalos árabes, percherons, leoneses ou anglo-normandos. As filosofias são produzidas por filósofos: e a proporção não é tão vã como habitualmente se acredita. Como há trinta e seis mil espécies de filósofos, há outras tantas espécies de filosofias [...].
A Filosofia diz qualquer coisa, não tem uma vocação eterna, nunca é nem nunca foi unívoca, é mesmo o cúmulo da actividade equívoca. A Filosofia em geral é o que resta das diferentes filosofias, quando as esvaziámos de toda a matéria, quando mais nada subsiste que não seja um certo ar de família, como uma atmosfera evasiva de tradições, de conivências e de segredos. É uma entidade do discurso. [...]
A Filosofia acaba sempre por falar da posição dos homens, obedece sempre ao programa que Platão lhe traçou: “O objecto da Filosofia é o homem e o que diz respeito à sua essência de sofrer e de agir”.
Mas como não há uma ordem única da posição humana, uma solução estabelecida para a eternidade do destino dos homens, uma única chave para a sua situação, esta Filosofia permanece totalmente equívoca. A primeira tarefa que se apresenta a uma iniciativa crítica é a definição do equívoco presente da palavra Filosofia.»
Nizan, Paul, Les Chiens de Garde, F. Mespero, 1960, pp. 16-17.