«Não se pode ingenuamente acreditar que a ciência, como um conjunto de conhecimentos (ciência-disciplina) e de actividades (ciência-processo), seja algo independente do meio social, alheio a influências estranhas e neutro em relação às várias disputas que envolvem a sociedade. Analisada por qualquer um de seus dois ângulos, a ciência representa um corpo de doutrinas gerado ou em geração num meio social específico e, obviamente, sofrendo as influências dos factores que compõem a cultura de que faz parte. Produto da sociedade, influi nela e dela sofre as influências.
A crescente internacionalização da ciência torna-a, em geral, cada vez menos sujeita a diferenciações nacionais, mas jamais a liberta dos condicionamentos gerados por factores ligados a sistemas políticos, níveis económicos, pressões sociais, religiões, etc. Não há área de estudo que possa escapar desses condicionamentos. A tecnologia nuclear (com ou sem maiores preocupações bélicas), a astronáutica e seu ramo biológico – a cosmogenética ou genética espacial, as investigações de ponta sobre o vírus da Sida, etc. estão reservadas a poucos países. Além disso, estudos sobre fósseis, etologia, uniões consanguíneas, etc. só podem ser realizados nas regiões onde haja o material a investigar. Não é por acaso que as investigações sobre a origem do género Homo têm sido, nos últimos decénios, predominantemente realizadas na África e os estudos sobre os efeitos genéticos dos casamentos consanguíneos no Japão, no Brasil e na Índia.
Há quem defenda a tese da neutralidade da ciência, achando que o bom ou mau uso que dela se faz depende de decisões de não cientistas (políticos, militares, empresários, etc.) que se apropriam de seus resultados e os aplicam de acordo com seus interesses. Não se pode negar, no entanto, que há uma parte da ciência que se encontra a serviço de não cientistas, com objectivos preestabelecidos de lucro, dominação e guerra. Os cientistas que executam essa ciência programada colocam-na deliberadamente a serviço de outra instância decisória, revelando que essa ciência não possui a inocência e a pureza que alguns nela querem ver.»
Newton Freire Maia, A Ciência Por Dentro, Ed. Vozes, Petrópolis, 1998, pp. 128-129.