Segunda-feira, 27 de Abril de 2009
Todo o conhecimento, tanto comum como científico, é formado por elementos fornecidos pela intuição sensível e elaborados pelo pensamento. A elaboração é a obra da razão, que se define como a função de coordenação do pensamento na sua actividade de conhecimento, função que se exerce mediante princípios (de identidade, de contradição, de causalidade, etc.) constitutivos da razão. O conhecimento comum é quase sempre o produto de uma elaboração espontânea da razão, ao passo que o conhecimento científico resulta de uma elaboração reflectida, metódica, prosseguida de modo voluntário e, por vezes, árduo.
No conhecimento comum, as sensações obtidas pelos órgãos dos sentidos são elaboradas inconscientemente em percepções, depois, o espírito, graças à memória, compara entre si as diversas percepções, analisa-as e observa, assim, certos retornos de fenómenos análogos. Muito naturalmente, o espírito aguarda o seu reaparecimento e torna-se capaz, em certa medida, de os prever; formula, assim, leis empíricas, como as seguintes: todo o homem morre; o fogo coze os alimentos e queima.
Não obstante os seus defeitos e as suas insuficiências, o conhecimento comum ou empírico é um seguro caminhar para o conhecimento científico, porque comporta já um certo grau de generalidade; pode, efectivamente, enunciar leis (nem sempre rigorosas) e, embora subjectivo em larga medida, isto é, variável de indivíduo para indivíduo, é grandemente influenciado e regularizado pela sociedade, mediante a linguagem.
É ensinando a criança a falar que se forma o seu pensamento, que se lhe dá a possibilidade de o fixar, de o ordenar e de o comunicar. Um pensamento que a linguagem não fixasse permaneceria vago, fugidio, incaptável e incoerente. Ora, a linguagem é um produto social e o pensamento comum modela-se sob a sua influência constante; fornece-lhe uma grande quantidade de matrizes gerais inteiramente prontas; são as palavras que permitem classificar rapidamente as sensações novas e, com a ajuda da sintaxe, pô-las em relação com as antigas. A linguagem permite generalizar facilmente observações particulares, porque as palavras são veículos de ideias gerais, conceitos universais. Pode dizer-se que ela transmite os resultados das observações e do enorme trabalho mental das gerações que presidiram à sua formação.
Assim, a linguagem tende a diminuir o carácter subjectivo do conhecimento comum, ao fazer participar o indivíduo nos modos de pensar de um meio social extenso, no seio do qual os indivíduos controlam reciprocamente os seus conhecimentos, ao comunicá-los.
O objectivo do conhecimento comum, estruturado e uniformizado pela linguagem, é adaptar-nos ao nosso meio, permitir que nos preservemos dos perigos que nos ameaçam, e que procuremos alimentos. Orientado essencialmente para a acção e a prática, ele é sobretudo utilitário e tende para o fabrico de utensílios que aumentam o nosso poder sobre as coisas e os seres. Pela construção de utensílios rudimentares, o pensamento, antes de todo o conhecimento propriamente científico, mede-se já com uma realidade exterior que lhe resiste e que o rectifica sempre que se transvia. Um utensílio mal concebido revela-se, na prática, como inutilizável e obriga por isso mesmo o pensamento a construir um que seja eficaz, por conseguinte, a corrigir-se para melhor se adaptar à realidade material.
Mas não entramos apenas em relação com o mundo material; é igualmente necessário que nos adaptemos aos nossos semelhantes, que adivinhemos as suas intenções e prevejamos, em certa medida, as suas acções. A psicologia empírica responde a esta necessidade; desigualmente desenvolvida nos diversos indivíduos, funda-se em indícios pequenos (jogos de fisionomia, gestos, etc.) mais ou menos habilmente interpretados. Existe, sem dúvida, desde que há sociedades humanas, ao passo que a psicologia científica é de criação recente.
Maurice Gex, Éléments de Philosophie des Sciences, Éditions du Griffon, Neuchâtel, págs. 15-18
Quarta-feira, 1 de Abril de 2009
«A pobreza é o rastilho da bomba ‘‘D’’ (bomba demográfica). No relatório anual do FNUPA, Fundo das Nações Unidas para a População, é dito que «desde 1970, nos países menos desenvolvidos, mas com menor fertilidade e menor crescimento da população, foi vista uma maior produtividade, uma maior poupança e um maior investimento produtivo».
O relatório lembra que mais de 3 mil milhões de pessoas vivem com menos de 2 Euros por dia e mil milhões vive com menos de 1 Euro.
Segundo a directora executiva do FNUPA, Thoraya Ahmed Obaid, «a falta de cuidados de saúde, incluindo cuidados de saúde reprodutiva, e a iliteracia são companheiros inseparáveis da pobreza».
Os números do relatório deste ano mostram que «a fertilidade e o crescimento da população são mais elevados nos 45 países menos desenvolvidos», que estão no continente africano e na Ásia.
Deste modo, a população dos 45 países menos desenvolvidos vai triplicar nos próximos 50 anos, de 600 milhões para 1,8 mil milhões.
As estimativas apontam para um aumento de 50 por cento da população mundial no prazo de cinco décadas.
Também as estatísticas demonstram que o crescimento urbano é mais rápido nas regiões menos desenvolvidas.
Este crescimento urbano é impulsionado por uma crise no mundo rural, que leva estes novos pobres «sem terra» a procurar as periferias urbanas. Assim a crise económica representa também um défice ecológico. O ambiente foi, aliás, o tema do ano passado do relatório anual do FNUPA.
Este ano, ao centrar-se na pobreza a análise do FNUPA considera que uma «queda de 4 por mil na taxa de natalidade iria traduzir-se num declínio da população que vive em extrema pobreza; seria uma quebra de 2,4 por cento na próxima década.
Assim para o FNUPA, o acesso universal à contracepção deve ser uma prioridade até 2015, como foi estabelecido na Cimeira Mundial da População, em 1994.»
José Milheiro, Notícias Lusomundo, 3 de Dezembro 02
Recentemente, o Papa Bento XVI, horas antes de aterrar nos Camarões, defendeu, mais uma vez, a posição oficial da Igreja (apresentada na Carta Encíclica Humanae Vitae): a solução para o problema da SIDA não passa pelo preservativo – aliás, “a sua utilização agrava o problema” – mas sim pela abstinência sexual.
Ora, em pleno século XXI onde a ciência, o conhecimento e a comunicação são também um imperativo moral, como conciliar esta orientação com a realidade que nos entra pelos olhos dentro todos os dias e que é questionada pelos próprios membros do clero que, em África, trabalham com as vítimas do vírus? Será que só o “despertar espiritual e a amizade pelos que sofrem” é suficiente para pôr fim a esta pandemia? Será que o contributo da Igreja não pode ir um pouco mais além das soluções espirituais e morais? E a solução educacional? É a moralidade inimiga da verdade? É a investigação científica inimiga da realidade? Que lobbies defenderá ela divergentes dos professados pela Igreja Católica Romana?
Em última instância, é a fé inimiga da ciência e do conhecimento que esta produz? Convém aqui, também, lembrar que só recentemente o Vaticano outorgou as verdades científicas professadas por Galileu. Como diz o povo, “mais vale tarde do que nunca”! Contudo, e como seria de esperar, as declarações de Sua Santidade depressa produziram contra argumentos: Na Europa, vários políticos e organizações já se manifestaram contra esta declaração e, na sua terra natal – Alemanha – a própria Ministra da Saúde, Ulla Schmidt, afirmou: “Os preservativos salvam vidas na Europa ou em qualquer outro continente”. Também a Igreja católica alemã se opôs à opinião de Bento XVI, e num artigo publicado no semanário alemão Die Zeit, o bispo auxiliar de Hamburgo, Hans-Jochen Jaschke, escreveu: “quem tem sida e uma vida sexual activa, quem procura diferentes parceiros, deve proteger-se e proteger também os outros”. Curiosamente, no mesmo dia, o Bispo de Viseu, Dom Ilídio Leandro, veio a público defender o uso do preservativo por pessoas portadoras do vírus da sida, como forma de impedir a propagação da doença. Então, e como ficamos? Para já, ficamos a saber que declarações deste tipo são irresponsáveis e em nada contribuem para resolver o problema. É como deitar petróleo em cima um fogueira que já arde! A humanidade sabe, a partir de agora, que a Igreja não faz parte da solução, mas sim do problema.
Miguel Alexandre Palma Costa