Este espaço comunicativo foi pensado com o propósito de facultar a todos os interessados um conjunto de reflexões e recursos didácticos relativos ao ensino das disciplinas de Filosofia e Psicologia, acrescentado com alguns comentários do autor.

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Sexta-feira, 5 de Fevereiro de 2010

Parménides e o Movimento

 

 
«Diziam os gregos que Heraclito falava por enigmas, por duas razões principais. Primeiro, o seu próprio temperamento levava-o a deleitar-se com uma linguagem teatral e paradóxica. Deixou-nos francos paradoxos como “O bem e o mal são o mesmo”, ou ainda uma imagem sugestiva e torturante como esta: “O tempo é como uma criança que joga às damas; o tabuleiro é o reino da criança”. Em segundo lugar, Heraclito é difícil, porque nele o pensamento tinha alcançado uma etapa particularmente complexa. Já não podia aceitar por mais tempo as simples cosmogonias dos jónios, nem achar fácil e natural confinar a vida e o pensamento na camisa de forças da substância material. É óbvio que estes dois factos levariam em breve a uma situação de ruptura.
A ruptura produziu-se de um modo estranho. Foi devida, em definitivo, à obra de um pensador simultaneamente poderoso e limitado, cuja força e cujas limitações constituem igualmente uma linha divisória no pensamento grego. Este pensador foi Parménides, cuja vida corresponde à primeira metade do séc. V. De acordo com o diálogo de Platão acerca dele, Parménides tinha 65 anos por volta do ano de 450. Depois dele, a filosofia grega não podia ser já o que tinha sido antes, porque todos, inclusive Platão e Aristóteles, sentiam que tinham de ter em conta e, por assim dizer, exorcizar o seu fantasma.
Parménides era exactamente o reverso de Heraclito. Para Heraclito, o movimento e a mudança eram as únicas realidade; para Parménides, o movimento era impossível e toda a realidade consistia numa substância única, imóvel e imutável. Chegou a esta extraordinária conclusão através de uma sequência de pensamentos não menos extraordinária.
Há uma frase, cujo autor não recordo, e que foi dada muitas vezes a comentar nos exames de Clássicas em Cambridge, pela qual se comprova que muitos problemas da filosofia grega resultam da confusão entre gramática, lógica e metafísica. As três eram confundidas porque, como matéria separada de estudo, nenhuma delas se podia dizer que existisse já; e isto é algo que importa muito particularmente recordar ao tentar compreender Parménides. Os instrumentos ordinários da lógica, e mesmo da gramática, que nós herdámos de forma que fazem hoje parte dos processos mentais inconscientes, mesmo dos menos filosóficos de entre nós, não estavam ao seu alcance. Tal facto requer um esforço para que alguém se possa pensar a si mesmo na pele daquele pioneiro.
Uma ideia que os gregos daquela época achavam difícil de compreender era de que uma palavra pudesse ter mais do que um significado. A sua dificuldade tinha sem dúvida a ver com a proximidade da fase mágica primitiva, em que uma palavra e o seu objecto formavam uma unidade singular. Ora bem, o verbo “ser” em grego significava “existir” – tal como a palavra inglesa na frase bíblica: “Antes de que Abraão existisse, eu já existia”[1]. Naturalmente, na linguagem corrente usava-se também no sentido completamente distinto de ter uma determinada qualidade como ser magro, ser frio, etc., mas era uma diferença à qual ninguém dedicara qualquer pensamento consciente. Em termos actuais, a diferença entre o uso existencial e predicativo ainda não tinha sido elucidada. Para Parménides, que foi o primeiro a reflectir conscientemente sobre a lógica das palavras, dizer que uma coisa é podia e devia significar apenas que ela existe, e este pensamento surgiu-lhe com a força de uma revelação acerca da natureza da realidade. Toda a sua concepção da natureza da realidade vem da atribuição dessa força simples e metafísica ao verbo ser. Os filósofos jónios tinham dito que o mundo era uma coisa, mas que se transformava em muitas. Mas, perguntava Parménides, tem esta palavra “transformar-se em” algum significado real? Como pode dizer-se que uma coisa muda, como dizeis, por exemplo, que o ar se transforma em água e fogo? Mudar significa tornar-se no que não é, mas dizer do que é que não é, é simplesmente falso. O que é não pode não ser alguma coisa, pois “não ser” significa desaparecer da existência. Então já não seria o que é, mas isto é algo que fora assumido, e que tinha de ser assumido, desde o principio. O postulado inicial de Parménides era apenas um e único: “é”, isto é, uma única coisa existe. O restante deduzia-se a partir daqui.
Pode parecer um jogo de palavras sem sentido mas naquele tempo foi levado muito a sério, e foi Platão, na plenitude da sua maturidade, quem, no diálogo intitulado O Sofista, esclareceu que, apesar de usarem a mesma palavra “é”, Parménides e os pensadores contra quem este argumenta queriam dizer duas coisas diferentes. Naquele tempo, a sua doutrina pareceu irrefutável, e inferiam-se dela estranhas consequências. Toda a mudança e movimento eram irreais, porque implicavam que o que é passasse a ser o que não ou onde não é, e é um contra-senso dizer do que é “não é”. O movimento era impossível por uma segunda razão também, porque não existia espaço vazio. Pois, no caso contrário, o espaço podia apenas ser descrito com “o lugar onde a coisa real, o que é, não é”. Mas onde não temos o que é, teremos obviamente apenas o que não é, isto é, o que não existe.
Portanto, o mundo real, tudo o que é, tem de ser uma massa imutável e imóvel de uma única espécie de substância, e tem de permanecer sempre numa eterna e imutável quietude. Terá de se obstar que não parece ser assim, mas isso não desanimou Parménides. Tudo o que os homens imaginam acerca do universo, disse ele, tudo o que os homens pensam que vêem, ouvem e sentem, é pura ilusão. Só o espírito pode alcançar a verdade, e o espírito – assim proclamava ele com a arrogância ingénua do primeiro dos pensadores abstractos – prova de um modo incontroverso que a realidade é completamente diferente.
A importância de Parménides baseia-se no facto de que iniciou os gregos no caminho do pensamento abstracto, fez o espírito trabalhar sem referência a factos exteriores, e exaltou os seus resultados pondo-os acima dos da percepção sensorial. Nisto os gregos foram discípulos dotados, de tal maneira que, segundo alguns, o seu génio para o pensamento abstracto e para descurar os factos exteriores, manteve a ciência europeia numa pista falsa durante mil anos aproximadamente. Quer tenha sido para bem ou para mal, vemos aqui o processo nos seus começos.
Alguns autores classificaram Parménides como um materialista, argumentando que, como ele não faz qualquer distinção entre o material e o não material, a sua realidade única e imutável deve ter sido concebida como material. Esta questão particular é irrelevante e na verdade não tem resposta possível, uma vez que estamos tratando de um período em que não tinha sido ainda formulada a distinção entre o material e o imaterial. O que é importante é que essa realidade era não sensível, e só podia ser captada pelo pensamento. Para Platão, a distinção entre o material e o espiritual era clara, se bem que a expressasse a maior parte das vezes através das palavras “sensível” e “inteligível”. Parménides foi o primeiro a valorizar o inteligível em prejuízo do sensível, e, consequentemente, chamar-lhe – como tem sido chamado – o pai do materialismo é inteiramente erróneo.
A partir de agora, já não era aceitável nenhuma filosofia que sustentasse que a multiplicidade do mundo tinha evoluído a partir de uma unidade primitiva. Parménides tinha assestado [disparado] um golpe mortal no monismo material de tipo jónico. A primeira reacção foi a de que o mundo das aparências tinha de ser salvo a todo o custo. O senso comum das pessoas revoltou-se, e sustentou que as coisas familiares que nós podemos ver e tocar têm de ser reais. Doravante, desde que isso não podia ser combinado com uma crença na unidade primária, negaram aquela parte da premissa de Parménides que dizia que a realidade era substancialmente una. Os filósofos que imediatamente lhe sucederam são pluralistas. Até que chegue o maior de todos os pensadores gregos, que foi Platão, nós não encontramos nenhum que admitisse que se possa conceder mais do que uma quase-existência ao mundo mutável das rochas, das plantas e dos animais, e buscasse a realidade e a unidade ao mesmo tempo num mundo para lá do espaço e do tempo. E apesar de Platão ter sido muito influenciado por Parménides, e ter escrito acerca dele com o maior respeito, existiram naquele tempo muitas outras influências que ajudaram também a moldar o seu pensamento.»
 
Guthrie, W.K.C., Os Filósofos Gregos, de Tales a Aristóteles, Lisboa,
Presença, 1987, pp. 41-45.


[1] «Before Abraham was, I am».

 


rotasfilosoficas às 19:22

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