“O choque provocado pelos sofistas – sucesso e escândalo – na sociedade ateniense foi profundo. Ele reflecte-se na literatura da época, nomeadamente no teatro de Eurípides e de Aristófanes, que desde os anos 430 para o primeiro e 420 para o segundo põem em cena as múltiplas formas que a arte da palavra assume, maravilhando-se com o poder do discurso e das inovações recentes introduzidas neste domínio, mas denunciando os discursos demasiado hábeis e os professores de subtileza argumentativa, empregando as palavras sophos, sophisma e sophistês. Textos escritos mais tardiamente, mas referindo-se ao mesmo período do último terço do século V, contêm um testemunho semelhante: em particular certos diálogos de Platão, nos quais Sócrates conversa com os principais sofistas sobre retórica, ou tal passagem de Tucídides que faz dizer a Cléon, em 427, que os Atenienses, apaixonados pelas justas de palavras e por argumentos novos, importam os procedimentos dos sofistas para a eloquência deliberativa e transformam esta em política-espectáculo: «gentes dominadas pelo prazer de escutar», são, quando se sentam na assembleia, «semelhantes mais a um público lá instalado para sofistas do que a cidadãos que deliberam sobre a sua cidade» (Tucídides, III, 38, 7). A atracção pedagógica que exerciam os professores de eloquência traduz-se no topos da visita ao sofista, que consiste em mostrar um futuro aluno ansioso por ser aceite pelo mestre e pronto a se lhe entregar com toda a confiança, contanto que ele o ensine a falar (Aristófanes, Nuvens, 427 e ss.; Platão, Protágoras, 312).
A convergência destes textos, tão diferentes nos seus objectivos, atesta a amplitude das inovações introduzidas pelos sofistas. Desde logo, a sofística e a retórica serão ligadas para sempre no pensamento antigo, mesmo se a sofística não se reduz à retórica, mesmo se numerosos oradores se recusam a ser apelidados de sofistas. Platão insiste nisso não sem malícia: a despeito de todas as diferenças que podem ser estabelecidas entre as duas categorias, «sofistas e oradores confundem-se, misturam-se, sobre o mesmo domínio, em torno dos mesmos assuntos» (Górgias, 465 c, 520 a). E de facto, com os sofistas, a palavra constitui-se em disciplina autónoma e teorizada. O objecto «falar» foi isolado e torna-se em si mesmo objecto de reflexão e de arte. Esta arte engloba as teorias sobre a persuasão e sobre os fundamentos filosóficos do discurso, investigações técnicas (no domínio da argumentação e do estilo), um ensino. Os discursos começaram a ser publicados e não apenas pronunciados. O cadinho destas inovações foi Atenas, onde todos os sofistas permaneciam mais ou menos longamente.”
Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité, pp. 34-36.
(Adaptado)
O ensino
“A prática oratória apoiava-se sobre um ensino muito activo. Numerosos eram os mestres de retórica existentes em Atenas, desde os mais reputados aos mais modestos. Numerosas eram as escolas, caracterizadas por níveis diferentes e finalidades diferentes. Podia aprender-se a falar, como disse Platão, seja em vista da «arte» (tekhnê), seja em vista da «educação» (paideia) (Protágoras, 312), quer dizer, seja a fim de fazer da retórica uma profissão, seja de maneira desinteressada, a fim de se instruir e de se cultivar. Os métodos eram certamente variados e em grande parte orais. Pode facilmente imaginar-se que compreendiam lições teóricas, estudos de casos, a aprendizagem de discursos modelos propostos pelo mestre, exercícios práticos de composição, sobre assuntos reais ou fictícios, e ainda justas entre estudantes, sem esquecer o treino do gesto e da voz.
A escola que conhecemos melhor é a de Isócrates [...]. O ciclo de estudos durava até três ou quatro anos. Os estudantes, vindos não apenas da Ática, mas de todo o mundo grego, pagavam honorários elevados e ofereciam presentes, mediante os quais lhes eram propostos dois modos de ensino. Primeiro, sobre o que o mestre chamava as ideiai, palavra muito ampla que designa todas as «formas» do discurso, desde o conteúdo (acusação, elogio, etc.) até às figuras de estilo, passando pelas ideias, os temas e as formas de raciocínio, ou seja, todo o espectro da arte da palavra. Depois a audição de discursos compostos pelo mestre, que eram discutidos e explicados em comum, numa atmosfera de seminário [...]. Para além dos preceitos técnicos, Isócrates considerava fornecer uma formação completa, ao mesmo tempo intelectual e moral, em nome da convicção de que não é possível falar bem sem pensar bem e ser um homem de bem. Realista, até mais não, o mestre sublinhava que a educação não pode tudo e que ela não dá frutos, a menos que encontre um terreno favorável: as lições e os exercícios devem apoiar-se sobre os dons naturais. Os numerosos alunos saídos da escola de Isócrates ilustram o carácter generalista duma educação que formou oradores, escritores (como os historiadores Teopompo e Éforo), cidadãos activos nos negócios públicos e homens políticos importantes, entre os quais o estratego Timóteo, filho de Conon.
O ensino ateniense recorria a textos escritos: discursos-modelos, recolhas de exórdios e de perorações, e sobretudo a esses manuais ou tratados a que chamavam Tekhnai («Artes», subentendido «de retórica»). Os Tekhnai, na maior parte, incidiam sobre o género judiciário; utilitários, forneciam os meios de compor sem esforço um defensor.”
Laurent Pernot, La rhétorique dans l'antiquité, pp. 60-61.
(Adaptado)
A Retórica
“Esta, dizíamos, é uma arte. Este termo, tradução do grego technè, é ambíguo, e é-o mesmo duplamente. Primeiro, porque designa igualmente bem um saber-fazer espontâneo como uma competência adquirida pelo ensino. Em seguida, porque designa ora uma simples técnica, ora pelo contrário o que na criação ultrapassa a técnica e pertence ao «génio» do criador. Em qual ou em quais destes sentidos se pensa quando se diz que a retórica é uma arte? Em todos.
Em primeiro lugar, existe uma retórica espontânea, uma aptidão para persuadir pela palavra que não é talvez inata — não entremos aqui neste debate —, mas que também não é devida a uma formação específica; e, depois, uma retórica que se ensina, sob o nome, por exemplo, de «técnicas de expressão e de comunicação», e que serve para formar vendedores ou homens políticos, a ensinar-lhes o que outros vendedores, outros homens políticos, parecem saber naturalmente. Quais são os mais eficazes, quais sabem «melhor como preceder»? Sem dúvida os segundos. Mas nos segundos, tal como nos primeiros, encontramos os mesmos procedimentos, intelectuais e afectivos, estes procedimentos que fazem da retórica uma técnica.
Mas trata-se de uma simples técnica? Não, trata-se de bem mais. O verdadeiro orador é um artista no sentido em que descobre argumentos tanto mais eficazes quanto não os esperávamos, figuras de que ninguém teria tido a ideia e que se revelam adequadas; um artista cujos desempenhos não são programáveis e não se impõem senão mais tarde. Les Provinciales de Pascal (sempre ele, mas em retórica é incontornável!) dão um belo exemplo; onde os seus amigos jansenistas esperavam uma argumentação técnica, que não teria deixado de ser enfadonha, Pascal retomou as mesmas ideias sob a forma de um panfleto irónico, eficaz porque claro e divertido, e que ainda nos diz respeito. A arte de persuadir criou bastantes obras-primas.”
Olivier Reboul, Introduction à la rhétorique, p. 6.
(Adaptado)
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