O que significa o termo deontologia? Do grego déon, déontos, “o que é necessário, o que é certo” + logia , “ciência, estudo, reflexão, palavra ou discurso”. De forma simplista, é a moral ou ética de uma profissão. Neste caso, referimo-nos à ética/moral da profissão docente, e deverão ser estes docentes os principais actores na gestão da sua própria carreira.
Ora, e que condições se exigem para tal?
Concisamente, maior autonomia e mais poderes para o professor.
E o que significa “autorregulação”? O termo relaciona-se com a capacidade que os professores ou um organismo autónomo devem ter para definirem as normas profissionais, estipularem direitos e deveres para a classe docente.
Segundo o pedagogo, educador, professor, psicanalista e escritor brasileiro Rubem Alves (n. 1933), “ensinar é um exercício de imortalidade”, e tal é atestado, por exemplo, pela imagem do professor, aquele na verdadeira acepção da palavra, que ficará sempre gravada e na mente dos seus alunos.
Nesta perspectiva, a educação é a mais ética das profissões, e isso é de todo perceptível.
À escola de hoje tudo se pede, tudo se exige, mas será que a formação de base dos seus “agentes” lhes dá tudo isso?
Ao professor é pedida uma reflexão permanente, uma aprendizagem contínua, mas será que este verá reconhecido publicamente algures o seu valor?
No momento atual de crise o professor vê cada vez menos reconhecimento público, e longe vai o tempo em que o professor, o pároco – e só mais tarde o médico – eram as pessoas mais importantes da freguesia. Obviamente, não pretendemos regressar a esse tempo, o que desejamos é somente um reconhecimento do que somos hoje e da importante/decisiva missão que desempenhamos na sociedade. Ao reverso, o que experimentamos/sentimos hoje é uma profunda degradação da profissão de professor, isto é, esta está em declínio acentuado; ela é desvalorizada a múltiplos níveis e a motivação financeira é já uma miragem. Aliás, vários estudos nacionais e internacionais – europeus e mundiais – apontam e citam esta deterioração crescente e hegemónica. Então, o que é que desejamos para a classe? Reconhecimento das capacidades, da competência, da vontade. Por outras palavras, valorização do trabalho efectuado. O Professor é aquele que é capaz de fazer aquilo que mais ninguém é capaz de fazer e a sua profissão é de extrema importância. É o professor que está na base de tudo, que constrói uma personalidade – a do aluno –, que edifica um ser, um homem, que está na raiz de todos as outros seres/pessoas e classes profissionais. É verdade que a personalidade do aluno é uma descoberta, mas é também uma construção perpétua, realizada na relação professor-aluno, e isso implica uma responsabilidade extrema do primeiro elemento da relação.
Contudo, hoje o que este professor faz nas escolas não passa de uma gestão administrativa da escola em vez de fazer uma gestão pedagógica da sala de aula. O professor, aquele que “forma”/educa alunos, precisa é de “cheirar” a sala de aula e é nestas que todos os dias brotam dificuldades/problemas sociais que necessitam de ser resolvidos. Para tal missão o professor não pode ser um administrativo, mas precisa de reflectir! E tempo para esta reflexão? Onde é que o professor dos dias de hoje tem tempo para perceber esta nova realidade, para senti-la, para meditar sobre esta nova e indeterminada realidade que é em si mesma problemática e confusa?
Sabemos, e pelos números que são públicos, que o progresso na educação em Portugal, e segundo os dados da OCDE, são bastante significativos/expressivos, mas também sabemos que estes se devem ao papel que o professor tem na escola (ele é educador, ouvinte, instrutor, psicólogo, pai, mãe, assistente social, terapeuta, …) e esperamos que a valorização do mesmo (pois depende da competência e preparação do professor a vida futura dos jovens de hoje) e o reconhecimento aconteçam quer a nível político quer a nível social.
Todavia, a profissão docente é também muito, ou melhor, excessivamente controlada por aquilo que são as decisões políticas. Diz-se que os professores são experimentalistas e que os alunos são as cobaias, e os decisores políticos, o que são? Aliás, estes mesmos quando exigem ao professor uma perpétua avaliação do seu desempenho e das suas competências, são também eles os primeiros a não seguirem o preceito/normativa. Sabemos que o poder está no ministério, e também sabemos que somos controlados administrativamente em todos os nossos movimentos! Mas é este o modelo de autonomia das escolas que reclamamos? Notoriamente, não!
Um código deontológico é então indispensável para a afirmação de uma cultura e identidade profissional e, similarmente, um novo estatuto da carreira docente. A título de exemplo, o modelo escocês foi referenciado, e na Escócia o papel do estado é um papel de supervisão dos organismos e procedimentos em educação e não de regulação. A regulação deve ser feita por professores e não por políticos ou burocratas administrativos. Devem ser os professores a certificar, garantir e a assumirem a responsabilidade pela qualidade dos educadores e professores que estão no ativo e não um ministério ou legislador alheio à problemática educativa e centrado unicamente no controlo dos custos da educação. De outro modo, a autorregulação da profissão docente apresenta diversas vantagens, e essas são de índole pessoal, públicas, profissionais e políticas, mas este é um trajeto que ambicionamos e que denuncia dificuldades. Ora, lembrando Arthur Meighen, «as dificuldades não esmagam um homem, fazem-no”. Façamos então esse trajecto!
Miguel Alexandre Palma Costa
(Apontamento de Comunicação “Um Organismo de Autorregulação da Profissão Docente” - Dr. Armindo Cancelinha,
in Seminário “Deontologia e Autorregulação da Profissão Docente - Ser Professor”, ANP
17 de Maio de 2013, Escola Profissional Dr. Francisco Fernandes - Funchal)
Conforme é já do domínio público, a pessoa do Sr. Secretário Regional da Educação e Recursos Humanos, Dr. Jaime Freitas, propôs, por sua iniciativa pessoal, aos sindicatos de professores da Região Autónoma da Madeira um concurso para vinculação de docentes contratados onde a prioridade na ordenação não terá em conta a nota de curso mas sim a antiguidade na carreira, ou como alguns dizem, o tempo de serviço prestado. Ora, ainda não consta que exista qualquer impugnação judicial contra tal intenção/orientação (facto que não será de todo imerecido), pois como também é sabido, a proposta do mesmo - e as vagas a provimento - foram já enviadas para Lisboa para parecer e aprovação do Sr. Gaspar, e a norma jurídica que dará à abertura do citado processo concursal ainda não seguiu para a Assembleia Legislativa Regional. Contudo, se à cerca de um mês uma estrutura sindical do sector da educação da região anunciava cerca de 300 vagas para vinculação (certamente, com propósitos mediáticos), agora tal número é uma incógnita e julga-se que nem perto de metade estará em jogo. Aliás, a justificação falaciosamente apresentada pela tutela e sindicatos (e ao que parece todos eles concordaram com este modelo de concurso que desconsidera preceitos do próprio ECD – por exemplo, o art.4.º - Direitos profissionais – 2, h) Direito à dignificação da carreira e da profissão docente; i) Direito à estabilidade profissional, etc.; o art. 11.º - Direito à dignificação da carreira e da profissão docente; ou o art. 12.º - Direito à estabilidade profissional) é que o concurso pretende cumprir a diretiva comunitária que obriga a vincular ao quadro docentes com mais de três anos de serviço, tal como sucede no setor privado (e, acrescento, foi pseudointenção do MEC no concurso extraordinário do continente) e o critério do tempo de serviço seria, assim, o único relevante.
Mas, o mais curioso é ainda o facto de os sindicatos não terem auscultado os seus associados e de muitos desses agora se questionarem qual o valor do seu mérito no desempenho docente, mérito esse que está este ano a ser avaliado por um novo modelo de avaliação de desempenho docente também ele contestado e descontextualizado em muitos pontos com o praticado no continente.
Assim, resta perguntar: para quê o mérito quando na administração pública regional ainda vigora a velha regra que dizia “a antiguidade é um posto”! Será também esta a norma da “Madeira Nova” que tanto apregoa sua excelência o Presidente da Região Autónoma da Madeira?
Por último, convém também aqui lembrar que a evolução histórica da jurisprudência tem demonstrado que em matéria de concursos públicos, a criação da expectativas de direito à nomeação/vinculação, em muitas das circunstâncias a expectativa convola-se em direito líquido e certo. Neste caso, podemos dizer que o gestor da causa pública manifesta, objetivamente, mais um claro abuso de direito ao desrespeitar princípios constitucionais administrativos. Como agirão as instituições de salvaguarda da democracia? A ver vamos, dizem por aí…
Miguel Alexandre Palma Costa
Filosofia
Sociedade Portuguesa de Filosofia
Associação Portuguesa de Fenomenologia
Associação de Professores de Filosofia
Revista Portuguesa de Filosofia
Exames Nacionais de Filosofia - GAVE
Crítica - Revista de Filosofia
Psicologia
Associação Portuguesa de Psicologia
Educação
Direcção Geral de Recursos Humanos da Educação
Secretaria Regional da Educação da Madeira
Sindicato dos Professores da Zona Norte
Sindicato Democrático dos Professores da Madeira