Este espaço comunicativo foi pensado com o propósito de facultar a todos os interessados um conjunto de reflexões e recursos didácticos relativos ao ensino das disciplinas de Filosofia e Psicologia, acrescentado com alguns comentários do autor.

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Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2015

O que é a Guerra?

 

 

CEP.png

 

Nota introdutória* - Escrever este ensaio e pensar a guerra do ponto de vista filosófico foi revisitar conceitos, ler e tentar compreender autores, foi recuar na história, foi ceder, renunciar e hesitar ideias, mas sobretudo foi lembrar e comemorar todos aqueles familiares próximos ou já desaparecidos que diretamente participaram na Primeira Grande Guerra, incorporados no Corpo Expedicionário Português (CEP), formado por cerca de 30 mil homens, e na Guerra Colonial ou também apelidada de Guerra do Ultramar, onde homens como o meu pai foram forçados a combater. Obrigado a estes e a muitos outros anónimos para mim!

 

 

O que é a Guerra?

  

Se pensarmos não no vocábulo mas antes no fenómeno que remete para uma das experiências mais extremas da condição humana, e conjuntamente percebendo facilmente que mesmo hoje, no grau e volume de conhecimento já alcançado, e «apesar do muitíssimo que acerca da guerra se escreve, não é possível ainda dar ao fenómeno uma definição capaz»[1], e ainda assim, apreendendo que esta atividade bélica remonta ao proémio da própria humanidade e é um «fenómeno universal, praticada em todos os tempos e em todos os lugares»[2] – conforme ajuizou um dos mais notáveis teóricos contemporâneos da especialidade, Professor John Keegan – , creio que podemos nesta primeira aproximação ao problema apresentar desde já aquela que é a tese sobre a qual assentará a plausibilidade de todo o argumento posteriormente aqui exposto: a guerra é o adverso da civilização, do que nós edificamos, amamos, experienciamos, racionalizamos ao longo de gerações e gerações, é destruição. Mais, é não apenas loucura, mas é a loucura organizada sem quaisquer regras[3], é desumanização.

Como forma de explicitarmos as razões que sustentam estas nossas afirmações, e considerando de antemão que a guerra é tão antiga como a própria civilização[4], talvez um exercício de retorno às origens nos permita compreender que tudo terá começado com o nascimento da cidade, e uma cidade terá começado por um “cruzamento de estradas”. Aos poucos as pessoas começaram a dirigir-se para aí, para nela habitarem, para rezarem, para procederem à permuta de bens ou muito simplesmente para garantirem a sua própria proteção/segurança, e na maior parte dos casos a melhor defesa da cidade consistia na edificação de uma muralha. Foi na cidade que se gerou riqueza, que se criaram leis, que se guardaram memórias ou registos do passado, é a cidade que é a sede (centro) do poder, a unidade civilizacional por excelência, e os gregos chamaram-lhe Polis. A cidade era o estado e os seus assuntos públicos estão na raiz de uma outra palavra que é “Política”[5]. Todavia, com o suceder dos tempos estas cidades-estado foram substituídas por reinos, nações, ligas e impérios, cada um dos quais a dada altura da sua existência, entrou em guerra, isto é, em ruína, em extinção[6]. E se é certo que a perspetiva histórica também aqui está a nosso favor, por exemplo, Homero, na Ilíada, toca, ao analisar o fenómeno e as causas da guerra, dois princípios fundamentais axiomáticos para a sua época e talvez ainda modernamente: primeiro, a ideia de guerra como uma atividade masculina central e constante; segundo, o horror e a tragédia que a guerra faz abater sobre os seres humanos. Não obstante, os agentes da guerra – mais de três mil anos depois do cerco que durou aproximadamente dez anos à sumptuosa cidade de Tróia – não mudaram, continuam a ser seres humanos, filhos, maridos, pais de outros seres humanos, em suma, homens.

Ora, mas a guerra também é um fenómeno que acarreta uma certa inclinação “romântica”[7], e a chave para o seu sucesso reside na eficiência com que se aniquila o inimigo, isto é, a eficácia da/na atividade guerreira reside na preparação do indivíduo mas também na organização do grupo. Por exemplo, podemos relembrar que a instrução militar constitui para além de um treino para o combate, um exercício que ajuda a transformar o homem num instrumento/máquina de guerra – e morte – e, portanto, de destruição. E um dos paradoxos da guerra reside no facto de a desumanização da própria instrução militar constituir um elemento vital para o aumento das hipóteses de sobrevivência do militar em combate, ou seja, ela transforma cada homem numa espécie de “tijolo” que é parte integrante da muralha que é a sua unidade militar.

Todavia, e apesar de Heraclito de Éfeso na sua famosa frase – «a guerra é origem de todas as coisas e de todas é soberana, e a uns apresenta como deuses, a outros, como homens; de uns faz ela escravos, de outros, livres»[8] – ter proferido a idealidade da guerra, uma das lições infelizes da história é de que o sucesso na guerra está normalmente na base do sucesso de uma cultura e todas as grandes culturas obtiveram grandes sucessos militares. Por exemplo, a base do sucesso da civilização grega era o soldado de infantaria hoplita, bem armado e equipado. Os seus exércitos, por vezes com mais de dez mil homens, em formação cerrada, escudo contra escudo, avançavam como uma muralha, impenetrável para qualquer inimigo, destruindo e aniquilando tudo. Mas o principal factor apontado como preponderante para esse êxito baseava-se em dois elementos: um deles a coesão, e coesão/disciplina, na altura, e mesmo posteriormente, era susceptível de ser melhorada com o treino; o outro, era a capacidade de ataque; carregando sobre o inimigo, a formação da falange hoplita abria brechas passíveis de exploração e devastação (destruição) por onde avançava. Mais uma vez, Homero é aqui preponderante na descrição e na nossa tentativa de interpretação do gozo feroz pela guerra no mundo antigo, facto hoje bem difícil de assumir, porque ao contrário do poeta grego já não temos uma linguagem apropriada para exprimir o heroísmo do combate homem a homem, a não ser no desporto, onde ainda cultivamos essa expressão.

A Ilíada é de facto uma obra literária onde é necessário ser-se herói para se ser cantado – Aquiles realiza este ideal quase na máxima plenitude – e para isso vale a pena morrer, mesmo em plena juventude, pois só assim se conseguirá a recompensa suprema, o mistério da imortalidade. Mas ao antigo ideal de guerreiro heróico homérico opomos hoje a visão humanista – sendo que alguns a apelidam de “civilizada”, resultado do processo de evolução cultural da própria humanidade – de uma comunidade internacional que proclama o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal como bens inalienáveis e condena todas as formas ou espécies de guerra, na medida em que estas destroem vidas humanas, põem o indivíduo em situações degradantes, obrigam-no a matar o seu semelhante, destrói inestimáveis valores materiais resultantes da própria acção edificadora humana, e muito mais. Por outras palavras, e evocando agora a experiência de guerra do século XX, e podemos aqui mencionar que a primeira guerra mundial foi de facto a primeira guerra industrializada da história, onde os combatentes viviam – em condições quase desumanas – em trincheiras, numa frente ininterrupta que ao longo de três anos não se deslocou mais que quinze quilómetros, e aí enfrentavam verdadeiras máquinas de matar, todo esse século XX foi dominado pelo progresso da industria do armamento e pelo aperfeiçoamento dos meios de destruição. Podemos mesmo dizer que o homem desenvolveu no século passado um fascínio perigoso pela destruição. A título de exemplo, não podemos esquecer o que se passou em Hiroxima a 6 de Agosto de 1945, seguido de Nagasáqui, dois dias depois, em que para a opinião pública americana de então conservar uma “grande” imagem do seu presidente Harry S. Truman, este toma aquela que é talvez a decisão mais grave e trágica (talvez de um novo tipo) da história humana, a utilização da bomba atómica, a que Einstein, seu pai legitimo, denominou «o fogo do inferno».

Por outro lado, e ampliando o argumento anteriormente mencionado, na sociedade mediática actual, o fenómeno e a narrativa da guerra encerram também uma espécie de encantamento de tipo quase cinematográfico que transferem ao mero espectador sentado no seu sofá a vivência indirecta/virtual de emoções a que podemos chamar de fascínio do horror e que Hélène Puiseux designa por «desejo de morte, de ver a morte, talvez de a ver para a compreender, e pelo seu oposto, o medo da morte»[9]. Isto é, o efeito visual da guerra, o horror, a destruição e a desumanização que este tipo de conflito confina, são hoje um espetáculo – sobretudo se ocorre a grande distância e envolve meios tecnológicos de efeito freérico com alguma sublimidade intrínseca – como são os casos recentes das duas guerras do Golfo (a primeira entre 1990 e 1991, e a segunda, também apelidada de Invasão do Iraque, em 2003) ou a guerra da Nato contra a Jugoslávia, em 1999, que advêm em nome de interesses económicos e geopolíticos[10] que são perfeitamente – e diria mesmo intencionalmente – desconhecidos para a maioria das consciências que formam a opinião pública.

 

Picasso, Guerra, 1952.jpg

Picasso, Guerra, 1952

 

Por conseguinte, a guerra é acção, talvez esta seja mesmo a palavra que melhor a compreende. Ela não fala, mas a guerra mostra. Mostra a verdadeira natureza humana, expõe um mundo materialista e abstrato de valores no sentido cultural e humanista do termo; exibe o prazer de odiar e de destruir, do lucro e da ruína; a guerra impõe o “direito” pela força, obviamente afastando qualquer formato de justiça em nome de interesses/proveitos particulares; ela destrói toda a figura de solução para os problemas na medida em que impinge pela robustez da força a obediência que é atitude sempre contrária ao espírito da liberdade humana. Fernando Pessoa, na sua obra póstuma – que é simultaneamente um diário íntimo, um retrato de Lisboa e o reflexo da sua consciência do mundo moderno – o Livro do Desassossego, condensa maravilhosamente a absurdidade da guerra e descreve-a na sua íntima natureza em mais um dos seus múltiplos fragmentos: ela «é estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer coisa inevitavelmente inútil»[11].

 

Miguel Alexandre Palma Costa

(Ensaio distinguido com "Menção Honrosa" em Concurso de Ensaio - 2a edição - da Universidade Católica Portuguesa, Lisboa)

 

 

[1]  Antunes, Manuel, “Guerra”, in AAVV, Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia – Logos, Lisboa, Ed. Verbo, 1999, vol. 2, pp. 947-950.

[2]   Keegan, J., A History of Warfare, Londres, Pimlico, Random House, 2ª ed., 1994, p. 48.

Numa carta de Einstein a Freud, datada de 30 de Julho 1932, o cientista alemão, numa forma interrogativa, questiona o psicanalista se existe a possibilidade de «libertar os homens da fatalidade da guerra?», e em forma de antecipação ao veredito do vienense (apesar de ser natural de Freiberg, Morávia) refere que impõe-se neste caso uma resposta única: «o homem tem dentro de si o prazer de odiar e de destruir». (in Freud/Einstein, Porquê a Guerra: Reflexões sobre o destino do mundo, Lisboa, Edições 70, 1997, pp. 59-61.)

[3]  Sigmund Freud acentua o sentido evocativo desta ideia quando refere que a guerra «despoja-nos das sobreposições posteriores da civilização e deixa de novo a descoberto o homem primitivo que está dentro de nós». (in Freud, S., «Thoughts for the times on war and death», The Standard Edition of the Complete Psychological Works os Sigmund Freud, Londres, The Hogart Press, 1973, vol. XIV, p. 299.)

[4]  Knightley, Phillip, The First Casualty – From the Crimea to Vietnam: the War Correspondent as Hero, Propagandist, and Myth Maker, Nova Iorque, Harcourt Brace Jovanovitch, 1ª ed., 1975, p. 402.

[5]  Seguimos aqui o conceito no seu sentido geral de «governo dos homens e a administração das coisas, e em particular, a organização e a direcção dos Estados», e a sua consideração também como arte, «ciência, como ideologia, como filosofia, como metafísica, como ética e como teologia». Nas palavras de Manuel Antunes, estes «são outros tantos níveis, aspectos ou dimensões que não se contradistinguem com a plena adequação mas se entrelaçam ou dialecticamente se postulam». Cf. Antunes, Manuel, “Política”, in Op. cit., vol. 4, pp. 330-335.

[6]  Apesar da lição histórica, na atualidade o homem parece ainda não ter compreendido que a destruição de uma cidade constitui um dos atos mais devastadores realizáveis pelo próprio ser humano, e a sofisticação e poderio das armas hoje utilizadas nos conflitos militares podem inclusive derruir toda a vida existente na terra. Por conseguinte, percebemos distintamente que os nossos instintos, a nossa moral, as nossas políticas e as nossas emoções não acompanharam os progressos da tecnologia de hoje, e a atualidade demonstra-o pela barbárie das guerras do final do século passado e as do eclodir deste novo século XXI, sobretudo as devidas a fanatismos religiosos, a factores sociais ou a perseguições de minorias raciais.

[7]  Segundo Phillip Knightley, analisar a guerra sem perceber que ela representa «uma das funções primárias da humanidade é ao mesmo tempo encobrir a natureza mais remota do ser humano, pois ela representa uma função social». Knightley, P., Op. cit., p. 287.

[8]  Cf. G.S. Kirk e J.E. Raven, Os Filósofos Pré-Socráticos, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, pp. 197 e segs.

[9]  Cf. P. Hélène, Les figures de la guerre – représentationes et sensibilités, 1839-1996, Col. «Les temps de images», Paris, Éditions Gallimard, 1997, p. 242.

[10]  Na sua recente obra O Futuro da Guerra, o General Loureiro do Santos, respondendo à questão «por que razão se faz a guerra?», atribui as suas causas a duas ambições básicas do ser humano que são o bem-estar e a segurança. «O bem estar caracteriza-se pelo grau de acessibilidade aos bens materiais e imateriais de que os seres humanos precisam de usufruir para que possam dispor do nível de conforto material e espiritual a que se julgam com direito (…) e estes bens materiais são escassos (…). Por estas razões, diz o general, «com frequência, alguns países (…) exigem, por ser do seu interesse, a outros países ou grupos que adoptem, contra a sua vontade certos comportamentos (…) e estas situações poderão conduzir à necessidade e à correspondente vontade de obter os bens materiais e/ou impor os comportamentos pelo uso da força.» (in Santos, Loureiro, O Futuro da Guerra, Lisboa, Vega, 2ª edição, 2014, pp. 15 e segs.)

[11]  Pessoa, Fernando, Livro do Desassossego, Lisboa, Tinta da China, Edição de Jerónimo Pizarro, 2ª edição, 2014.


rotasfilosoficas às 12:03

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Quinta-feira, 19 de Fevereiro de 2015

O aborto: questões para uma abordagem ética

 

 

Aborto.png

 

A Constituição da República Portuguesa diz a este propósito o seguinte:

 

TÍTULO II
Direitos, liberdades e garantias

CAPÍTULO I

Direitos, liberdades e garantias pessoais

 

Artigo 24.º

Direito à vida

 

1. A vida humana é inviolável.

(…)

 

Artigo 25.º

Direito à integridade pessoal

 

1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.

(…)

 

Artigo 26.º

Outros direitos pessoais

 

1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.

3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.

(…)

 

Artigo 27.º

Direito à liberdade e à segurança

 

1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.

(…)

 

 

Depois de observarmos esta base legal/normativa nacional e de verificarmos que aqui é já notória uma contradição entre os princípios da lei e os interesses/valores contemporâneos da sociedade atual, somos confrontados com mais uma situação/problema em que temos que decidir sobre coisas que envolvem e interferem na nossa liberdade de escolha, na liberdade dos outros e nos princípios ou valores que devem nortear as nossas vidas individualmente e até como comunidade ou sociedade que pretende perdurar e assumir uma cultura. Ou seja, o tema/questão da moralidade do aborto implica que as nossas decisões se alternem entre a necessidade de cumprir normas e a vontade de acatar/exercer e agir em função de valores/princípios (ideais) de conduta que impomos a nós mesmos, mas que também esperamos que os outros as sigam ou pelo menos os aceitem.

Ora a este respeito, revelamos individualmente e socialmente profundas dúvidas/incertezas sobre qual a opção mais correta que devemos tomar, isto é, estamos perante uma situação dilemática de difícil resolução e talvez devêssemos para já limitarmo-nos a colocar questões/interrogação que serão também pontos para uma posterior investigação. Vejamos:

 

1.ª Questão: Embora hoje o aborto seja lícito até às dez semanas de gestação, será este acto moralmente (eticamente) aceitável?

2ª. Questão: Embora muitos cientistas e especialistas na matéria não considerem que a vida começa com ou no momento da concepção, será que a descriminalização do aborto em Portugal poderá em alguma circunstância moralizar (tornar ética) a sua prática?

3ª. Questão: Poderíamos em algum caso justificar a moralidade do aborto - pois ele é um direito que assiste à mulher – , na  medida em que ela tem direito único/exclusivo sobre o seu próprio corpo?

4ª. Questão: Embora a legalização do aborto tenha de facto reduzido a sua clandestinidade e os perigos que daí advinham para a mulher, no entanto, será que a sua não moralização se prende com o facto desta ser também uma questão religiosa em muitas sociedades como é o caso da sociedade portuguesa? Por outras palavras, a moralidade do aborto está dependente/prisioneira de dogmas bíblicos ou de outras proveniências/textos sagrados?

5ª. Questão: Se tomarmos o problema do aborto como um problema exclusivamente do direito (legal), e que ataca muito provavelmente os direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, então será que este problema nunca deverá ser considerado um problema de consciência e portanto moral?

6ª. Questão: Por que o aborto não é um acto de uma pessoa só mas necessita da ajuda de profissionais de saúde, erguem-se aqui mais algumas questões: por exemplo, como conciliar a deontologia médica e de outros profissionais de saúde, como é o caso dos profissionais de enfermagem (e até mesmo questões de consciência destes), com a vontade e decisão de quem quer realizar voluntariamente o aborto?

 

Miguel Alexandre Palma Costa

(Apontamento de uma conversa e preparação de trabalho de investigação com Beatriz Tavares da Silva, Fevereiro de 2015)


rotasfilosoficas às 23:25

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