Hoje, 15 de Novembro de 2018, assinala-se mais uma vez a data que a UNESCO instituiu para a comemoração do Dia Internacional da Filosofia, um saber e atividade dominado por um irrecusável interesse (e vivacidade) pela interrogação e pela procura da Verdade – que para alguns só pode situar-se no “santuário” de um saber contemplativo e imutável – Verdade essa que também ela seria imutável, fixa e irrepreensível, isto é, perfeita.
Contudo, hoje, a narrativa predominante é de que “não há Verdade”. José Saramago – que no passado dia 8 de outubro de 2018 fez 20 anos que se tornou no primeiro, e até agora único, Prémio Nobel de Literatura em língua portuguesa – foi, a este propósito, bem claro ao expressar que “as verdades únicas não existem: as verdades são múltiplas, só a mentira é global”, e que modernamente “vivemos no tempo da mentira universal (pois) nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira todos os dias!”.
Por outras palavras, e de modo objetivo e evidente, Saramago já sabia e pressentia o trilho que nos conduziu ao presente, e alcançava/compreendia como poucos, a atração/desejo da Filosofia pela Verdade, que muitos encaravam (e alguns ainda consideram nesciamente), uma tarefa inglória.
O mesmo José Saramago, num registo em vídeo, refere que agora, isto é, hoje “nós estamos a viver de facto na ‘Caverna de Platão’, porque as próprias imagens que nos mostram da realidade, de alguma maneira substituem a própria realidade. Estamos no mundo a que chamamos ‘mundo audiovisual’, (nós) estamos efetivamente a repetir a situação das pessoas aprisionadas ou atadas na caverna de Platão, olhando em frente, vendo sombras e acreditando que essas sombras são a realidade. Foi preciso passarem todos estes séculos para que a Caverna de Platão aparecesse finalmente num momento da história da humanidade – que é hoje – e vai ser cada vez mais!”.
Saramago, conjecturando o futuro, deixou-nos 6 anos antes da agonia e do tormento atual perante o discurso da “pós-verdade” (post-truth) – palavra eleita pelo Oxford Dictionaries, em 2016, como sendo aquela que dominou as conversas em todo o mundo – das ‘fake news’ (notícias falsas), expressão cada vez mais recorrente, da intensificação dos medos, mas também da indiferença social, da iliteracia da/na informação que se propaga sem (quase) qualquer controlo na internet e nas redes sociais, do hiperconsumo, do poder dos algoritmos, em suma, da manipulação e da mentira.
Este é o quadro/ambiente no qual nos encontramos. O contexto mediático e informacional contemporâneo constitui um fenómeno e problema já nos dias de hoje, e o futuro das sociedades passará, obviamente, por pensar o futuro e onde fica a ‘Verdade’ na era da rápida proliferação e amplificação da informação.
Um facto é desde já inegável: a Verdade (ou a sua demanda) não desapareceu, ela continua a ser atuante nem que seja como bússola, apesar de todas as distorções que muitos lhe querem imprimir, independentemente dos intuitos e proveniências.
Em suma, o novo e desmedido recurso à mentira (‘fake news’ - notícias falsas), não fez distorcer a natureza da Verdade. Voltar aos clássicos, à Filosofia, ao “amor pela sabedoria” – a um saber/capacidade ou atividade de pensar de forma independente, libertadora, racional, criativa, questionante e crítica sobre o mundo, as nossas crenças e convicções, ou seja, sobre o si-mesmo – eis talvez a melhor forma de nos soltarmos da dominação da mentira.
José Saramago sabia tudo isto e compreendia onde tal nos transportaria. Este “novo e admirável mundo” das tecnologias da informação e comunicação também nos conduziu a uma situação onde todos nós nos sentimos mais ou menos perdidos, perdidos em primeiro lugar de nós próprios, em segundo lugar, perdidos na relação com o outro. Isto é, “acabamos por circular aí sem saber muito bem nem o que somos nem para que servimos, nem que sentido tem a existência” (Saramago).
Miguel Alexandre Palma Costa
(Vincent van Gogh - Vento)
Segundo o prestigiado sociólogo britânico Anthony Giddens, a relação causal (ou nexo de causalidade) define-se como uma relação na qual um determinado facto/fenómeno ou estado de coisas (o efeito) é consequência de outro (a sua causa).
Ora, se é verdade que nas ditas ciências exatas, como, por exemplo, na Física, quando conhecemos a lei que relaciona as variáveis conseguimos predizer com grau elevado de exatidão o que sucede após o vislumbre da causa, na Política, essa exatidão não sucede, pois tal deve-se a um todo complexo de relações sociais, económicas, financeiras, etc. sujeitas às mais variadas ‘interferências’ quase eclipsas e que nada têm a ver com as ciências acima nomeadas.
Depois desta nota prévia, o que alegarei em seguida não tem qualquer suporte científico – nem cinematográfico, apesar da analogia com o “best-seller” da autoria de Margaret Mitchell, que recebeu 10 Óscares da Academia e cinco nomeações e é passado durante a Guerra Civil Americana, retratando uma jovem e bela mulher que foi duramente atingida pela guerra e que se envolve numa relação de amor e ódio com um sedutor aventureiro – e, assim é apenas uma mera apresentação e interpretação (especulativa) dos acontecimentos ocorridos entre os dias 13 e 15 de outubro em Portugal continental e na RAM.
Depois de noticiado, no dia 13 (pelas 7:00h), que o furacão “Leslie” se encontrava a cerca de 320km a noroeste da Madeira, sendo, nesta medida, os seus efeitos mais limitados e menos gravosos para a RAM, depois de garantido pelo chefe do executivo regional que o Serviço Regional de Proteção Civil da Madeira (SRPC) está preparado “para enfrentar qualquer imprevisto”, este – com uma trajetória muito errática – no mesmo dia chegou, no período da noite, a Portugal continental, não como inicialmente previsto pelo IPMA e Proteção Civil, com máxima incidência em Lisboa e Setúbal, mas mais a norte, entre Leiria e Coimbra onde a passagem da agora “tempestade tropical” causou ventos na ordem dos 180 a 190 quilómetros/hora e consequente cenário de destruição: cerca de 2.495 ocorrências, sobretudo queda de árvores e de estruturas, deslizamento de terras e 28 feridos ligeiros e 61 desalojados, para além de todos os prejuízos materiais.
Mas uma outra tempestade taciturna passou por Portugal no mesmo período, esta não de caráter meteorológico/climatério, mas política… e que levou à demissão de quase meio governo do PS liderado por António Costa. É um facto e não interpretação, que no dia 14 de Outubro, quando milhares de portugueses começavam a fazer conta aos estragos provocados pela Leslie, o Primeiro-ministro anunciava a maior remodelação no XXI Governo Constitucional, envolvendo quatro ministérios, com a substituição, na Defesa, de Azeredo Lopes por João Gomes Cravinho, na Economia, Manuel Caldeira Cabral por Pedro Siza Vieira, na Saúde, Adalberto Campos Fernandes por Marta Temido e na Cultura, Luís Filipe Castro Mendes por Graça Fonseca. Mas o enredo não se ficou por aqui, pois a uma “dinâmica renovada” – que traz um “reforço da política económica” e uma prioridade concedida à “transição energética na mitigação das alterações climáticas”, claro está, arrolada com a tempestade tropical Leslie – exigiu mais alterações no executivo de Costa e este anunciou, posteriormente, dez novos Secretários de Estado, a criação de duas novas pastas e apenas cinco nomes foram reconduzidos.
Ora, diante tudo isto, e porque decididamente neste mundo não há lugar para coincidências – e, como bem referiu Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro, “em política, o que parece é” – conjeturo com um grau de plausibilidade forte, que a por muitos considerada “surpreendente” remodelação de António Costa é apenas uma forma célere de responder ao inevitável desgaste de uma governação (assaz errática) que está já a defraudar a boa-fé do povo português, e que de “dinâmica renovada”, creio, pouco ou nada trará (aliás, na RAM “renovação” é palavra que desde 2015 significa “igual” ou mais do mesmo).
Miguel Alexandre Palma Costa
(artigo de opinião in DN-Madeira 23.10.2018)
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