Em democracia, questionar, interrogar, perguntar é princípio vital da liberdade.
Estamos a menos de três meses das eleições regionais (e a pouco mais das legislativas nacionais), e agora que os candidatos e partidos começam a anunciar os seus Programas (e promessas) Eleitorais, é um dever/imperativo maior dos cidadãos – e sobretudo jornalistas – perguntar, escrutinar, interrogar, inquirir, por exemplo, o que planeiam os candidatos e partidos fazer de diferente? Que novidade(s) e prioridades propõem ao eleitorado? Em quê? Como? Porquê só agora e não antes? Quais os custos, resistências e impedimentos inerentes? É preciso reformar tudo? Há algum rumo/projeto consistente de futuro que é proposto e que devemos adotar, ou tudo aquilo que é apregoado não passa de mais um conjunto medidas circunstanciais e algumas até irreais?...
As sondagens – e mais recentemente uma taxa de abstenção na ordem dos 68,6% (registada nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, em Portugal) – demonstram-nos que a democracia enquanto sistema político de condução da administração pública tornou-se, no presente, numa formalidade impessoal, numa entidade abstrata que já pouco ou nada diz ao comum dos cidadãos, numa questão de máquinas de votos e de escrutínios secretos onde os interesses financeiros e económico-sociais se sobrepõem aos interesses do próprio Estado, isto é, à vida particular dos cidadãos. Aliás, como bem lembra Daniel Innerarity, a própria expressão “classe política” já compreende um descontentamento, pois hoje “alude a uma distância, a uma falta de coincidência entre os seus interesses (e prioridades) e os nossos”. Ora, se aliarmos a isto, a necessidade – e grande dificuldade – que esta ‘classe política’ tem de justificar o conjunto de privilégios que ainda detém, apesar de toda a austeridade translucida (e disfarçada) experienciada pelos portugueses nas últimas duas legislaturas, então, uma qualquer reflexão sobre a importância e o lugar da política na atualidade deve começar sempre pelo importante momento da dúvida e da pergunta, isto é, da incerteza ou descrença seguida da curiosidade por uma explicação que nasce do desejo de saber/conhecer, de perceber o “porquê” (nas suas muitas variabilidades) das coisas.
A atitude de questionar é sempre positiva (por exemplo, nas crianças de tenra idade demonstra uma curiosidade infindável, a procura em perceber o mundo, em fazer novas descobertas, mas também revela uma comunicação mais eficiente e uma sofisticação dos mecanismos mentais) e o poder da interrogação é, em áreas como a Filosofia e a Ciência, não só o ponto de partida para uma investigação, mas o suporte de todo o progresso. A Sócrates, o célebre filósofo ateniense do século V a.C., é atribuída a afirmação de que “o homem sábio pergunta, enquanto o homem ignorante responde”, e se uma pergunta é mais importante na sua formulação do que a expectativa de uma resposta, pois ela pode desencadear múltiplas (e hesitantes) possibilidades de resposta – e até nenhuma ‘suficiente’ – então, temos todos de perceber que ela é, em democracia, sinal de um olhar vigilante e de quem não se acomoda.
Hoje “os homens podem até nascer livres, mas não nascem cidadãos”, refere o pensador George Steiner, e o exercício da cidadania é algo que se aprende, tal como se aprende a andar, comer, falar, escrever, contar, gerir, comandar e a governar, e os cidadãos deveriam exercitar mais o interpelar, isto é, eles necessitam agora de atentar mais em perguntas tais como: porque é que economia portuguesa teve, em 2018, um crescimento inferior a 13 estados membros da UE? Como se explica (e justifica) que a dívida pública portuguesa tenha atingido, no último ano, 121,5% do PIB? Porque é que o Governo não resolveu o problema das pensões e há 42 mil pedidos pendentes há mais de 90 dias? Porque é que há um “caos” no sector dos transportes públicos (ferroviário, rodoviário e fluvial) e o Governo não apresentou ainda um plano estratégico? De quem é, afinal, a culpa das enormes filas para tirar o cartão de cidadão ou passaporte? Que motivos legitimam que os portugueses estejam sujeitos ainda a uma carga fiscal de “nível-recorde”, 35,4% do PIB (2018)? Porque é que não se apostou mais na eficiência, produtividade e na organização do Serviço Nacional de Saúde (na Madeira, no Serviço Regional de Saúde), e continuam mais de 120 mil utentes inscritos, há mais de um ano, para consultas e cirurgias? O que possibilita (e facilita) que só nos últimos três anos tenham saído de Portugal perto de 30 mil milhões de euros para offshores, valor que equivale a mais de três vezes o orçamento do Serviço Nacional de Saúde e a 15% do PIB português? Porque é que 94% dos casos de corrupção em Portugal são arquivados, mercê do facto dos investigadores não conseguirem reunir provas para levar o caso a julgamento? Ou, porque é que todos os governantes dizem que um país sem investimento na Educação é um país ao abandono, melhor, “é um país sem futuro”, mas depois diminuem o investimento público, na Educação, em cerca de 36% (OE 2019), face a 2015?
É sabido que a política é demasiado importante para ser deixada apenas à mercê dos políticos e, em democracia, é imprescindível a fiscalização das instituições públicas e dos políticos, algo simples mas difícil de implementar e aceitar em Portugal. Só o questionamento contínuo da própria democracia possibilitará que esta se reinvente de algum modo, na medida em que é inadiável arrancá-la à imobilidade a que foi sentenciada pela rotina, descrença e desconfiança dos cidadãos, nos últimos anos. Segundo Toqueville, o meio mais eficaz para interessar o povo pelo bem-estar e progresso do seu país consiste em fazê-lo participar. É, então, creio, chegada a hora para a participação cívica e política dos cidadãos, pois importantes escolhas (e decisões) estão já no horizonte.
Miguel Alexandre Palma Costa
(artigo de opinião in Diário de Notícias da Madeira, 17.07.2019)
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