Este espaço comunicativo foi pensado com o propósito de facultar a todos os interessados um conjunto de reflexões e recursos didácticos relativos ao ensino das disciplinas de Filosofia e Psicologia, acrescentado com alguns comentários do autor.

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Domingo, 22 de Março de 2020

Um Elogio à Ciência

 

 

Investigação farmaceutiva .jpg

 

O determinismo é um princípio (e crença) segundo o qual todos os fenómenos ou acontecimentos ocorrem de uma maneira já estabelecida, seja por disposição de uma entidade sobrenatural ou por leis causais (da Física) necessárias e invariáveis, concebidas pela Natureza/Universo. Muitas pessoas aceitam esta visão e explicação dos factos, e as palavras “fado” ou “destino” – próprias do fatalismo – muitas vezes proferidas pelos portugueses, revelam que estamos como que subordinados à “regência férrea de um destino abstrato, superior à justiça e à bondade, alheio ao bem e ao mal” (Fernando Pessoa), já fixado e de grande infortúnio, situação muito idêntica àquela por estamos todos a passar com a pandemia da COVID-19.

De acordo com esta doutrina, tudo o que acontece tem uma causa, isto é, cada acontecimento no mundo decorre necessariamente da série de factos/acontecimentos que o antecederam, pelo que todo e qualquer fenómeno é rigorosamente determinado – numa sequência lógica causa-efeito – por todos aqueles que o antecederam, e não há aqui lugar para ocorrências aleatórias ou imprevisíveis (acasos, sorte ou azar).

Pelo que se percebe, o contágio da Europa (e de Portugal) pelo novo coronavírus, agora designado por “SARS-CoV-2” - COVID-19 (Coronavirus Disease, nome da doença), que surgiu em novembro de 2019, em Wuhan (província de Hubei, uma zona de interceção de dois importantes eixos de comunicação), na China, era inevitável e apenas uma questão de tempo, apesar da maioria das entidades responsáveis terem ignorado ou desconsiderado a importância daquilo que ali estava a despontar. Os críticos do determinismo, apresentariam razões diversas e considerariam que muito do que está a acontecer poderia ter sido evitado e bloqueado. Infelizmente, tal não sucedeu. Fomos praticamente inativos na proatividade, morosos e tardios na ação e só agora estamos a ser reativos, mas com medidas que os “especialistas” dizem ser manifestamente insuficientes para mitigar um problema para o qual todos temos de colaborar num combate que se quer eficiente e eficaz.

Ora, a perspetiva determinista tem sérias implicações na ideia do livre arbítrio (para o determinismo radical não existe livre arbítrio, isto é, ações ou escolhas livres e isentas de coerção), e com a ascensão da ciência moderna (sendo que aquele que merece o título de “fundador” da ciência moderna é, decididamente, Galileu Galilei, o primeiro a observar os céus com um instrumento ‘adequado’ – o telescópio –, e também o primeiro a praticar e a teorizar o método experimental), tornou-se comum conceber o mundo inteiro à luz das relações de causa-efeito: para qualquer efeito (acontecimento), existe uma causa, de tal modo que se for dada uma causa, seguir-se-á necessariamente um efeito (consequência que não ocorreria se não se desse a causa).

Mas o coronavírus veio de Wuhan, trouxe e sedimentou o medo, a desconfiança, angústia, algum pânico, sobretudo (e para já) pelo rasto de vítimas que já ceifou na Ásia e agora no velho continente, e ameaça questionar e reformar o nosso modo de vida. Um conjunto de anomalias vieram pôr em causa o paradigma dominante (Thomas Khun). A contemporânea civilização da ação e sem tempo, do “é pra ontem”, do movimento frenético e contínuo, esta “aldeia global” (Herbert Marshall McLuhan) onde o hiperconsumo é estimulado e glorificado (Gilles Lipovetsky), com o consequente esgotamento de múltiplos recursos naturais e alterações climáticas de que somos testemunhas (apesar do negacionismo climático de alguns), está agora suspensa e impõe a todos um recolher obrigatório, uma isolamento social/quarentena, para que o contágio não se propague de forma avassaladora e os sistemas de saúde dos países “ditos desenvolvidos” não colapsem, apesar de ser por todos inegável tal desfecho.

Se a crise começou por questões de saúde pública, ela está já instalada no turismo, no comércio, nos transportes aéreos…, ou seja, na economia, nos mercados financeiros, no normal funcionamento das instituições democráticas e na vida social de biliões de cidadãos. Prestigiados economistas já declararam uma recessão global, com efeitos de escala imprevisível, e diferentes instituições internacionais e Governos começam, inevitavelmente, a ter de anunciar medidas para, pelo menos, amenizar o que se antevê.

Fomos todos convocados/obrigados a ficar em casa, a trabalhar a partir de casa (parece que só descobrimos agora alguns dos benefícios do teletrabalho), a ocupar o tempo com tarefas que deixamos de fazer, a pensar/refletir, a alterar hábitos, a “entretermo-nos” com algo que não faríamos se não vivêssemos tudo isto, e estamos coletivamente a mostrar que é exequível mudar e viver de outra maneira. Estamos numa situação (e lição) nova com a qual devemos aprender alguma coisa.

Mas qual o desfecho para esta crise? De onde virá a resposta para lidar com um problema de tal dimensão? Quem amputará esta pandemia global, em que um em cada seis adultos no mundo pode ser infetado, mas destes 98% vão sobreviver e 2% vão falecer?

A resposta só pode ser uma: a ciência, o conhecimento científico, aquele que desde a mecânica clássica, ou física de Newton, segue a máxima do determinismo e que garante que todos os acontecimentos são causados por acontecimentos anteriores. Será a ciência, um conhecimento sistematizado, sustentado num processo metodológico que nos dá garantias de verdade (curiosamente avança pelas contradições/erros que produz, pela oposição de hipóteses emitidas, pela dúvida…), objetivo, experimental, rigoroso, racional e crítico, sujeito a processos de revisão (ou substituição) permanentes, que nos permitirá, por aproximações sucessivas, não só compreender e explicar a forma como este novo “SARS-CoV-2” (COVID-19) opera, quais os procedimentos para o evitar e, posteriormente, depois de uma vasta investigação a tudo o que ainda está “escondido” – e correta análise/interpretação de todos os dados – nos facultará a descoberta, quer de uma vacina que a previna, quer de um fármaco que recupere os infetados pelo vírus e resultante doença.

No momento em que escrevo este texto, de acordo com o boletim epistemológico publicado, Portugal regista já 642 casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus, “SARS-CoV-2” - COVID-19. O número total de casos suspeitos subiu para 5067 e o total de casos não confirmados é agora de 4074. Há 351 pessoas a aguardar resultado laboratorial e a parcela de óbitos é 2, mas estamos todos conscientes que vai engrossar (entramos já na fase de “crescimento exponencial da epidemia”). Sei que quando for publicado, os números citados já estarão, decerto, desatualizados. Mas, e porque sou otimista – tal como Winston Churchill, pois “não me parece muito útil ser outra coisa” – e porque a velocidade a que a fecundidade científica avança é tremenda (no presente, o motor do progresso é sem dúvida a ciência; ela produz tecnologia, a tecnologia produz inovação, inovação produz/gera crescimento económico, que por sua vez origina riqueza para quem nela investiu, e Portugal, melhor, toda a Europa, precisa ainda de mais investimento em ciência), estou igualmente seguro de que a breve prazo – e já nos chegam boas notícias da China e de outros pontos do planeta –, grandes empresas farmacêuticas e laboratórios de investigação, que estão agora a trabalhar contra o tempo, irão encontrar vacinas e formas de tratamento contra a COVID-19.

O trabalho é complicado, dizem-nos, porque jamais se encontrou uma vacina muito eficaz para os seres humanos contra patógenos da família dos coronavírus. Todavia, ensaios clínicos para comprovar se estas vacinas, que estão a ser desenvolvidas, são eficazes, já estão agendados para o próximo mês de abril. A esperança é uma arma poderosa e abre horizontes e possibilidades ilimitadas. Hoje sabemos mais do que há cem anos, há dez anos, e também mais do que no final do mês passado. O conhecimento científico continua em progresso e, estou confiante, saberá responder aos desafios e problemas teóricos e práticos do momento que a humanidade vive. Afinal, e como sempre dissemos, “enquanto há vida, há esperança” (Cícero).

 

Elogio à Ciência.png

 

 

Miguel Alexandre Palma Costa


rotasfilosoficas às 12:15

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Quinta-feira, 19 de Março de 2020

Quanto vale a competência ética na política?

 

 

Ética e política.jpg

 

Atualmente, a sociedade mediatizada em que vivemos privilegia o discurso (muitas vezes demagógico/retórico) sobre o que é justo (e correto) fazer-se, em detrimento daquele que se ocupa e realiza (pratica) o “bem” na ação concreta. Episódios diversos demonstram-no, e a própria comunicação social disso dá depoimentos quase diários.

 

Um qualquer cidadão estrangeiro ou nacional que tenha chegado (ou passado), nos últimos dias, algum tempo em território português – e, em particular, na Região Autónoma da Madeira – e admirado, mais cuidadosamente, aquilo a que se assiste nas praças, avenidas ou ruas, e espreitado (com distanciamento crítico) a imprensa nacional e regional relativamente às duas campanhas eleitorais em curso, certamente, constatou que ou Portugal está muito diferente daquilo que era (e presumivelmente ainda é) e a insatisfação ‘recente’ do seu povo já se desvaneceu ou, então, muita da partidocracia continua a alimentar, de forma propositada e irrealista, a ideia fácil de uma vida melhor (e de grande prosperidade económica e copiosa riqueza para redistribuir) como uma verdade absoluta, esquecendo a interdependência e complexidade do mundo atual, mas, sobretudo, exercitando tudo isto com um objetivo primário: conquistar ganhos políticos (e, para alguns, pessoais) dentro de muito poucos dias. A manutenção ou conquista do poder deve sacrificar, para alguns candidatos, a verdade e a própria realidade!

 

Assistimos, portanto, na Região e no território continental, a um convite a “venha sonhar e participar na mudança”, em que o ator político (e o seu discurso) varia (agora) consoante os interesses e a ‘vontade’ do eleitorado, na medida em que o importante é vender o sonho de uma vida (e futuro melhor) e que o eleitor acredite e ‘compre’ o produto em questão, isto é, vote nessa possibilidade, seja ela utópica ou mais exequível! Muitos políticos esqueceram o valor/princípio da transparência (preferem o jogo das ocultações) e dominam já, e como ninguém, o mundo da publicidade falaciosa.

 

Se a política é a gestão da coisa (rés) pública, em democracia, quando elegemos e confiamos nos nossos representantes (os eleitos) – aqueles que devem servir os interesses da comunidade e não os seus – esperamos da sua parte um nível de responsabilidade, integridade (palavra de origem latina que significa “totalidade incorrupta”) e transparência acrescida em relação aos demais cidadãos. Por outras palavras, se o político tem um poder acrescido, também tem um dever de exercício (e escrutínio) ético superior.

 

Representar e governar os eleitores, melhor, os cidadãos, é um serviço público que exige o cumprimento integral dos compromissos assumidos, mas também uma eticidade na ação política. Nesta medida, como podemos hoje continuar a confiar na atuação política de um candidato (ou governante) que não se mantém impermeável a influências (por exemplo, lóbis corporativos ou familiares) que perturbam ou influem negativamente nos interesses coletivos ou Bem Comum? Porque acreditamos em quem procura iludir e burlar os eleitores com promessas que são inexequíveis económico-financeiramente, e algumas delas mesmo ridículas? Porque é que autorizamos que nos digam que agora é que a Saúde, Educação, Justiça, Cultura (ou a Ferrovia) vão ser a prioridade governativa, quando nas anteriores legislaturas – chefiadas pelos mesmos partidos e atores – não o foram e os cortes orçamentais incidiram precisamente nestas áreas? Porque apoiamos candidatos que nem sequer conhecem as principais correntes ideológicas políticas e há bem pouco tempo estavam num partido político, e hoje estão noutro, diverso e que defende sensivelmente o oposto do primeiro? Porque contamos com candidatos que foram eleitos para cargos públicos mas não cumpriram os seus mandatos até ao fim, pois tinham aspirações/agendas pessoais e políticas mais elevadas? Porque cremos, ainda, em quem fala em ‘contratos com os eleitores’, assumidos antes das eleições – e em quem se aproveita de imunidades parlamentares (ou outras) para cometer atos que até podem ser legais, mas que são imorais – e nos demitimos, coletivamente, de fiscalizar a atividade dos representantes eleitos após o sufrágio e do cumprimento integral das promessas feitas? Afinal, quanto vale a competência ética num candidato ao exercício do poder, ou seja, num cidadão que deseja representar os seus concidadãos e impor um projeto e rumo para o futuro?

 

Os politólogos – e os números da abstenção dos últimos atos eleitorais em Portugal (e até na Europa) – dizem-nos que a insatisfação impera tendo entre os seus alvos o próprio sistema político, que sustenta governos e instituições onde muitos dos cidadãos já não se reveem e, portanto, demitem-se de participar. Na Europa, a ‘verdade’ do espaço público/político vê agora o ampliar do risco de incremento do populismo nas suas diversas variantes e, em Portugal, tal fenómeno parece ainda algo distante.

 

Ora, com este cenário, é talvez chegado o momento de desenvolvermos uma ética pública, sabendo-se de antemão, que por si só ela não garante uma boa política e bons políticos, mas é seguro que não pode haver boas políticas e políticos (e bons Governos) se não se respeitarem alguns mínimos éticos. Porém, não omitamos o que é vital: a resposta decisiva às questões levantadas acima começará já por ser dada, pelos eleitores, nos dois próximos atos eleitorais que se avizinham.

 

 

Miguel Alexandre Palma Costa

(artigo de opinião in Diário de Notícias da Madeira, 17.09.2019)


rotasfilosoficas às 13:25

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Educação (sem) paixão?

 

 

Educação e paixão.jpg

 

1. No início do passado mês de novembro, o Governo nacional, perante a nova controvérsia de acabar com os chumbos até ao 9º ano, sucessivos pedidos de esclarecimento a António Costa sobre o seu ‘plano’ para combater as retenções e desistências – cerca de 50 mil alunos, de acordo com os números ostentados – e diante a possibilidade de haver passagens administrativas (logo negadas) de alunos, levantou, na reta final da segunda década do milénio, mais uma vez, aquele que é talvez o maior problema cultural do nosso tempo: a Educação.

Ora, se o princípio de acabar com os chumbos se distendesse até ao 12º ano de escolaridade e estivesse em vigor, então, no corrente ano letivo todos os alunos que frequentam o ensino básico e secundário seriam já nascidos no século XXI, e todos os professores são, impreterivelmente, do século XX. Isto significa, como é evidente, que existiu um hiato de tempo (alguns autores falam de uma a duas gerações) e uma aceleração desse mesmo tempo – só possível com a tecnologia, inovação, informação, conhecimento, tudo efeitos do fulgor da globalização – que a escola procurou acompanhar para preparar os jovens para um mundo em permanente mudança e que prossegue para a era digital, a ciência dos dados, robotização e inteligência artificial. Contudo, se esta mudança e evolução é agora uma evidência, pois irá (melhor, já está) acontecer, também neste processo tudo é uma questão de oportunidades e prazos, e as instituições de ensino (e os professores que nelas trabalham) necessitam e exigem, agora mais do que nunca, de uma atenção especial, acompanhada de mais formação, novos meios materiais e “incentivos”, pois só assim conseguirão executar os compromissos profissionais agendados pelas oscilantes diretrizes políticas e prover as dinâmicas exigidas de visam corrigir desigualdades sociais, a que acresce o indispensável progresso do país.

 

2. Os “Millennials”, isto é, os cidadãos que nasceram durante os anos 80 e início dos 90, talvez ainda se recordem de um ex-Primeiro-ministro, agora Secretário-Geral da ONU, que encabeçou os XIIIº e XIVº Governos Constitucionais e utilizou um slogan deveras emocional para revigorar uma área que precisava (e continua a necessitar) de reformas e de um forte investimento público: refiro-me à famosa “Paixão pela Educação”, proferida por António Guterres.

René Descartes, por muitos considerado o ‘pai’ da época moderna da história da Filosofia e representante do racionalismo, antecipou o resultado desta “paixão”, na medida em que para ele “as paixões são todas boas por natureza e nós apenas temos de evitar o seu mau uso e os seus excessos”. Guterres tinha uma paixão com razão. Era (e continua a ser) um homem de diálogo, fazedor de pontes, um humanista, visionário, alguém que sabe que os resultados na área da educação não surgem de um dia para o outro, de forma rápida e mágica, e que a educação deve ser uma prioridade e um desígnio nacional que deve unir, mobilizar e não dividir ou ser motivo de disputa político-partidária. Mas não foi preciso esperar muito para que esta “sensibilidade apurada” e paixão pela educação – desde o primeiro ciclo até ao ensino superior, e não esqueço aqui Mariano Gago, referência incontornável de uma geração, quer como ministro quer o papel fulcral que teve na divulgação científica e no aumento da cultura científica dos portugueses sem paralelo na história – desse lugar a um divórcio espinhoso e conflituoso com os professores. Quem não recorda ainda o dia 8 de novembro de 2008, data da mega manifestação que juntou perto de 120 mil professores, em Lisboa, contra as políticas educativas de uma ministra (Maria de Lurdes Rodrigues) que proferiu a célebre frase “perdi os professores, mas ganhei os pais e a população”, a mesma responsável política que atacou, denegriu, desuniu e dividiu (entre professores e professores titulares) uma classe profissional que até então era dotada de respeitável credibilidade e autoridade junto da opinião pública.

O ministro Nuno Crato, aquele que considerou o Dr. Passos “um herói nacional”, não reativou a paixão pela educação, pior, desinvestiu na área e entregou-se cegamente a um impulso que a arrastou para o excesso de burocracia, a elitização do sistema educativo (sobrevalorização dos exames, resultados e rankings); congelou as progressões nas carreiras, propagou a desconsideração social dos professores, alterou currículos e modelos de avaliação dos alunos várias vezes, em suma, foi um ministro que contribuiu ativamente para deterioração das condições de trabalho nas escolas e a redução inopinada e desequilibrada de custos e de professores, que agora tanto escasseiam em algumas áreas científicas e que as muitas escolas procuram contratar. Tiago Brandão Rodrigues, a escolha de António Costa, também não reavivou a “paixão pela educação” enquanto titular da pasta no XXIº Governo Constitucional, e nem parece querer fazê-lo nesta sua segunda passagem enquanto ministro. Assiste, de modo impávido e sereno, ao naufragar do sistema público de ensino e, depois de 4 anos no poder, ainda acusa e responsabiliza o seu antecessor no cargo, por exemplo, pelas oscilações negativas nas áreas das ciências e leitura, registadas pelos alunos portugueses na última edição do PISA (Programme for International Student Assessment). Ao mesmo tempo, nada declara nem concebe para inverter uma realidade anunciada que é a de que a maioria dos grupos de recrutamento vão perder mais de metade dos docentes do quadro até 2030; que algumas disciplinas poderão inclusive desaparecer dos currículos com a aposentação de mais de 90% dos seus respetivos professores; que continuam a existir turmas sem professor a certas disciplinas ao fim de mais de três meses de aulas; que apesar da redução, a taxa de abandono precoce na educação e formação, em Portugal, ainda ronda os 12%; para não mencionar que mais de 60% dos professores portugueses estão desmotivados e sofrem de “exaustão emocional”, não esquecendo aqui os mais recentes dados sobre a violência (e a indisciplina dos alunos) contra professores, creio que agora talvez “mais reais", apesar de muitos silenciarem os factos e não apresentarem queixa por receio de represálias e de serem acusados de não demonstrarem ‘orgulho’ em pertencer a uma determinada instituição de ensino.

 

3. Em Portugal, se a paixão pela educação ainda existe, ela não passa já há alguns anos nem pela 5 de Outubro (agora transferida para a Avenida Infante Santo) nem pelo Palácio de São Bento, mas encontra-se sim nas milhares de escolas do país onde educadores, professores, pessoal técnico e auxiliar (verdadeiros “mestres” incógnitos), no seu quotidiano, continuam a demonstrar um profissionalismo – com elevado sentido de vocação – e uma dedicação muito especial à missão que lhes foi confiada, despertando nos alunos “poderes e sonhos além dos seus” (George Steiner), ou seja, está patente nas salas de aula, anfiteatros, laboratórios, ginásios e até os corredores e pátios escolares, onde o trabalho diário exercido pelos profissionais da educação visa fundamentalmente que todos os alunos alcancem os seus objetivos e sejam felizes, e só assim podemos falar verdadeiramente de sucesso educativo que não tem “um dono”.

É um facto indubitável que hoje se assiste a uma desvalorização do trabalho realizado pelos professores, que são assim os únicos responsabilizados pela situação da educação em Portugal. No entanto, a necessidade de transmitir conhecimentos, competências e até valores, e de os adquirir, são uma constante da natureza humana e, portanto, a relação de ensino-aprendizagem entre professor-aluno(s), reconhecida numerosas vezes pelos próprios alunos, deverá continuar a subsistir pelo menos enquanto existirem sociedades e humanidade. Eles não esquecem o impacto dos verdadeiros mestres sobre o presente e o seu futuro e, adaptando a célebre frase de Bernardo de Chartres, mencionada por João de Salisbúria (Metalogicon III), se hoje “podem ver mais e mais longe não é porque a sua visão seja mais aguda, mas porque eles os carregaram no alto e os levantaram acima da sua altura”.

 

 

Miguel Alexandre Palma Costa

(artigo de opinião in Diário de Notícias da Madeira, 31.12.2019)


rotasfilosoficas às 13:04

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