1. Chumbado o Orçamento do Estado para 2022, com os votos contra da direita PSD, CDS, IL e Chega, mas também do BE e PCP, depois de um curto “descanso” para as festividades do Natal (acompanhado da intensificação das infeções por Covid-19), o novo ano começa embalado com mais uma pré e campanha política clássica/tradicional – logo, pouco inovadora –, agora para os 230 deputados que vão preencher as cadeiras da Assembleia da República, ou seja, com dias animados na arena política nacional e sobretudo órgãos de imprensa, mas pouco para os cidadãos.
Os candidatos são praticamente os mesmos que se apresentaram a 6 de outubro de 2019 (refiro-me aos líderes partidários, salvo as poucas exceções que até apresentam menos intenção de voto nas sondagens já divulgadas), os Programas Eleitorais existentes (alguns ainda por exibir publicamente enquanto redijo estas linhas) pouco ou nada lidos e conhecidos do grande público, e os debates televisivos – com a duração de cerca de 30 minutos, 25 dos quais a distribuir pelos adversários políticos – estão cheios de falácias, mentiras, eternas promessas de ilusões, soundbites, ataques pessoais, sendo que dificilmente esclarecem os portugueses sobre que visão ou projeto cada um apresenta para o futuro de Portugal. Há questões, reformas e problemas estruturantes que ninguém parece querer discutir e perguntas difíceis que os jornalistas teimam em não fazer! Tudo isto, em nada favorece a democracia.
Infortunadamente, e sem qualquer margem para dúvidas, a democracia portuguesa está refém de uma maioria de agentes políticos de mediana/fraca qualidade e de um sistema que favorece quem está no poder. O comentário político, aquele que vive e se alimenta da ‘política do espetáculo’, tem nestas semanas e dias quase ilimitado espaço – horas e horas a fio – nos canais generalistas e por cabo, mas abono que a audiência seja residual, assim como a assistência a alguns debates com protagonistas de segunda linha. Parece que o debate moderado por João Adelino Faria, entre o populista André Ventura e António Costa, foi visto por cerca de 1 milhão e 258 mil telespectadores, mas ainda assim não superou a nova edição do “Big Brother Famosos”, da TVI, no dia 2 de janeiro, que é agora apresentado pela nova rainha do entretenimento, Cristina Ferreira, e que conquistou 32% de share (1 milhão e 676 mil espectadores). Coletivamente parece que estamos mais interessados em ver o que se passa dentro de uma casa que fica ali para os lados da Venda do Pinheiro do que em saber (e compreender) como será gerido um país (melhor, o nosso país) e as nossas vidas nos próximos 4. Poucos são aqueles que ainda se interessam pela “coisa pública” e “bem comum”.
2. No âmbito do conhecimento científico, aqueles que a ele se dedicam frequentemente perguntam sobre o que vale mais: quantidade ou qualidade na produção científica? Ora, se transpusermos esta importante questão para a arte da política, o que é mais relevante? A qualidade – e qualidades, virtudes, vontade, capacidade(s), caráter, inteligência, valores, aptidões/competência, habilitações educacionais e técnicas… – dos nossos políticos, daqueles que gerem a ‘Res pública’, dos que lideram e orientam os destinos das instituições democráticas e que dispõem do nosso futuro, ou a quantidade (aqui como categoria objetiva), isto é, o número, a extensão (real), grandeza, espaço, grau… e até mesmo a produtividade em termos de leis concebidas e votadas e/ou aprovadas pelos nossos representantes?
Se na ciência há evidências de que a produtividade (mais investigação, experimentação e publicação de artigos) está associada positivamente ao aumento da qualidade (medida pelo número de citações), já na política parece que esta forma de avaliar não se ajusta à realidade (a diversidade que existe na política não deve [nem pode] explicar e reduzir-se à quantidade). Pelo menos os níveis de participação política dos portugueses (e sua relação com os políticos) assim o parecem demonstrar, seja em comportamentos visíveis, seja nos invisíveis ou latentes. Mesmo no exercício do direito de voto, aquele que tem consequências mais imediatas e significativas em termos de influência sobre a escolha dos nossos representantes/governantes – e no tipo de políticas públicas a executar –, também aqui se regista um progressivo aumento do desinteresse dos portugueses e um declínio da participação eleitoral. Presumivelmente, na noite de 30 de janeiro de 2022 a grande vencedora voltará a ser a abstenção e António Costa não alcançará a maioria absoluta que já pediu aos portugueses!
Recordando Aristóteles e São Tomás de Aquino, a qualidade de algo identifica-se sempre com o grau de perfeição dessa mesma coisa (ou algo) e é aquilo que a distingue (essencialmente) de outra. Assim sendo, a fraca qualidade dos nossos atuais políticos afasta-os em muito desta requerida e quase idealizada perfeição e põe na boca de muitos portugueses a conhecida frase de que “os políticos são todos iguais”, ideia dominante que corrói, desvaloriza e descredibiliza a própria democracia e afasta os cidadãos de qualquer forma de participação. Pior, se seguirmos este rumo, estamos a abandonar a possibilidade de escolher o futuro que melhor nos convém enquanto comunidade e isto pode, inclusive, interessar a alguém.
3. Não há nenhuma comparação entre o que é hoje o ensino/educação, nas nossas escolas, e aquilo que era – em particular, a sua qualidade – na década de 80 quando iniciei o meu percurso escolar, sobretudo antes de 1986 e da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro (LBSE). Na atualidade, a expressão “Educação de Qualidade” é também o quarto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que deve ser cumprido até ao ano de 2030, e as nações que adotaram este plano de ação global da ONU têm de garantir um acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Lamentavelmente, com apenas 52% da população a ter concluído o ensino secundário e/ou superior até 2019, soubemos já em plena pandemia que o nosso país se encontrava cerca de 26 pontos percentuais abaixo da média da UE (78%). Simplificando, Portugal ocupava o último lugar da tabela. Mais recentemente ficamos também todos a saber que só 49,7% da população da Madeira tem o ensino básico, que 15,3% não tem equivalência a qualquer nível de escolaridade, 20,4% tem o ensino secundário e apenas 14,8% tem o ensino superior. Estes são números seriamente inquietantes e deveriam fazer qualquer responsável público pensar (e perceber) que a uma ‘educação de qualidade’ deve ser uma das prioridades da agenda política nacional e regional.
É várias vezes repisado na imprensa que os países (e as regiões) que não investem em Educação e Tecnologia ficarão definitivamente para trás na corrida do desenvolvimento/progresso. A Madeira carece de investimento nestas duas áreas e tal facto é indiscutível, tal como é inegável que faltam professores qualificados em algumas escolas, assim como equipamentos informáticos e tecnológicos nas salas de aula, ligação à internet… sendo que muitas continuam apenas a ter um quadro negro e giz. Em suma, precisamos de um forte investimento no sector da Educação capaz de favorecer a natural emergência do talento e do capital humano, a verdadeira riqueza das nações! Temos que cuidar da formação das mais novas gerações, é um facto, mas também de apostar na qualificação contínua de todos os portugueses. Só assim se cultiva a qualidade.
Miguel Alexandre Palma Costa
(in https://www.dnoticias.pt/2022/1/18/293177-qualidades-ou-quantidade/)
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