«As construções ou invenções que fazemos devem permitir que as consequências calculadas sejam comparáveis com a experiência, isto é, não se calcula uma consequência como «um mu tem de ser igual a três gus» se ninguém sabe o que é um «mu» nem o que é um «gu». Obviamente, este resultado não serve para nada. É preciso que as consequências possam ser comparadas com a experiência. Não interessa que os «mus» e «gus» apareçam ou não na hipótese. Podem ter tanto material supérfluo quanto queiram, desde que as consequências sejam comparáveis com a experiência. Este facto nem sempre é bem compreendido. As pessoas queixam-se muitas vezes da aplicação injustificada das noções de partícula, trajetória, etc., no domínio atómico. Mas não, não há nada de injustificado nessa extensão. Devemos – é necessário – estender as coisas, tanto quanto possível, para além do que já sabemos, para além das noções já adquiridas. É perigoso? Sim. É incerto? Claro. Mas é a única maneira de progredir. Embora seja incerta, esta é a maneira de tornar a ciência útil. A ciência só é útil se referir alguma experiência que ainda não foi realizada; não serve para nada falar apenas daquilo que já foi feito. É necessário estender as ideias para além do domínio onde já foram verificadas. Por exemplo, a lei da gravitação, que foi desenvolvida para compreender o movimento dos planetas, teria sido inútil se Newton tivesse dito simplesmente «compreendo agora os planetas» e não se sentisse capaz de relacionar a lei com a atração entre a Terra e a Lua, para mais tarde as gerações seguintes poderem afirmar «talvez seja a gravitação que mantém as galáxias unidas». Temos de tentar essa extensão. Dir-me-ão: «Quando se chega às dimensões das galáxias, como não sabemos nada, tudo é possível.» É verdade, mas não há qualquer ciência em aceitar este tipo de limitação. Não existe nenhuma compreensão definitiva das galáxias. Por outro lado, a suposição de que todo o comportamento é devido apenas a leis conhecidas é muito limitada, podendo ser facilmente demolida pela experiência. O que procuramos são precisamente hipóteses dessas, simples, muito precisas e fáceis de comparar com a experiência. O certo é que o comportamento das galáxias não parece até hoje refutar a afirmação feita.
Não é anticientífico efetuar uma previsão, embora muita gente que não faz ciência pense que o seja. Há alguns anos tive uma conversa com um leigo sobre discos voadores – a minha condição de cientista faz com que saiba tudo sobre discos voadores! Disse-lhe: «Penso que não existem discos voadores.» E o meu antagonista respondeu: «Acha impossível a existência de discos voadores? Consegue provar que é impossível?» «Não!» disse-lhe, «não consigo provar que é impossível. É apenas bastante improvável.» Então ele replicou: «Isso é muito anticientífico. Se não consegue provar que é impossível, porque me diz que é improvável?» Mas essa é a maneira de se ser científico. Só é científico afirmar o que é mais e o que é menos provável e não estar sempre a provar o que é possível e o que é impossível. Para concretizar melhor o meu pensamento, poder-lhe-ia ter dito: «Repare, a partir do meu conhecimento do mundo à minha volta, penso que é muito mais provável que os relatos de discos voadores sejam o resultado de características irracionais próprias da inteligência terrestre do que de esforços racionais desconhecidos de inteligências extraterrestres.» É apenas mais provável e é tudo. Trata-se de uma boa previsão. Tentamos sempre avançar com a explicação mais provável, conservando no subconsciente o facto de que, se não resultar, temos de discutir as outras possibilidades.
(…) É sempre possível demonstrar que qualquer teoria bem definida está errada, mas nunca se pode provar que está certa. Suponhamos que inventam uma boa hipótese, calculam as consequências e verificam repetidamente que as consequências que calcularam estão de acordo com a experiência. A teoria estará então certa? Não, simplesmente não se provou que estava errada. Mais tarde podem calcular um espectro maior de consequências (pode haver um espectro maior de experiências) e podem descobrir que o resultado é falso. É por esta razão que leis como a de Newton para o movimento dos planetas persistiram durante tanto tempo. Newton adivinhou a lei da gravitação, calculou todos os tipos de consequências para o sistema solar, etc., comparou-os com a experiência – e levou muitos séculos até que um pequeno erro na órbita de Mercúrio fosse observado. Durante todo esse tempo, não foi demonstrado que a teoria estava errada, podendo, por isso, ser considerada, temporariamente, certa. Mas não pôde nunca ser dada como certa, porque as experiências futuras podiam conseguir mostrar que estava errado aquilo que antes se pensava estar certo. Nunca estamos definitivamente certos. Só podemos ter a certeza no caso de existir um erro. No entanto, é bastante notável o facto de podermos ter ideias que persistem durante tanto tempo.
Uma das maneiras de a ciência estagnar seria efetuar apenas experiências numa região onde já se conhecem as leis. Porém, os experimentalistas investigam, com a maior das diligências e com o maior dos esforços, exatamente onde parece ser mais provável detetar a falsidade das nossas teorias. Por outras palavras, estamos a tentar provar o mais rapidamente possível que estamos errados. Esta é a única maneira de progredir.»
Richard Feynman, O que é uma Lei Física, Gradiva, Lisboa, págs. 201-202 e 210-212
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