A comunicação da Prof.ª Ariana Cosme elevou a problemática/discussão – assim como os novos desafios da implementação da Escola a Tempo Inteiro (ETI) – para um patamar distinto e mais vasto da visão tradicional e normalizada de mais horas de instrução/escolarização, como forma de resolver e responder às necessidades de carácter social (e até económico das famílias), para uma nova conceção de escola e educação (integral ou global) como polo/espaço de dinamização e interação cultural.
Recordando Carlos Drummond de Andrade – e o seu célebre juízo sobre a tristeza que é ver meninos sem escola, mas maior tristeza “é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, [e] sem valor para a formação do homem” – também e a este propósito relembro uma passagem do filósofo George Steiner, que adverte para o facto de que ensinar com seriedade é lidar com o que existe de mais vital no ser humano, e que “o mau ensino, a rotina pedagógica, esse tipo de instrução que, conscientemente ou não, é cínico nos seus objetivos puramente utilitários, é ruinosa”, pois “diminui o aluno (…) e derrama sobre a sensibilidade da criança ou do adulto o mais corrosivo dos ácidos, o tédio, o metano do ennui” (Steiner, G., As Lições dos Mestres, Lisboa, Gradiva, 2005, p. 25).
Ora, tendo por base estes dois entendimentos da importância e missão que é educar, conjuntamente com a experiência de 20 anos da ETI na RAM, entretanto hoje já claramente desvirtuada dos seus pressupostos e objetivos iniciais, e também compreendendo as exigências/necessidades contemporâneas das famílias já salvaguardadas e prescritas no art.º 2º, ponto 4, da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro (LBSE), em que o 2 sistema educativo tem de responder às necessidades da realidade social, simultaneamente correndo o risco da desresponsabilização por parte de algumas dessas mesmas famílias, da híper-escolarização, da implementação de uma solução “burocrática”, de “perfil homogéneo” às escolas e municípios – imposta de cima para baixo, pois a discussão política é hoje um discurso vertical (normalmente num só sentido) em que os nossos políticos e dirigentes falam por nós e para nós –, em suma, contemplando tudo isto, e salientando ainda o tempo excessivo que as crianças passam na escola, tendo pouco tempo para brincar e “serem crianças como nós fomos”, que é um direito que lhes assiste e está consagrado na Convenção sobre os Direitos das Crianças (art.º 31º, ponto 1 e 2)…, todo este cenário “modelar” para um país como Portugal é bem diferente daquele que a Escandinávia adotou, onde os pais saem às 16 horas dos seus empregos e têm tempo para o lazer e para estar com os filhos. Aliás, o nosso país precisaria de uma alteração profunda dos horários de trabalho, bem como do paradigma de “qualidade de vida” que almeja ter, isto é, exigiria uma nova e radical orientação na relação trabalho versus lazer, para qual não está apto ainda. Por outras palavras, hoje as crianças não necessitam de uma ETI que nas atividades extra curriculares se circunscreva a mais horas em formato de aulas, muito pelo contrário! A solução é ou deve ser bem diferente. Elas precisam de mais educação, mas não mais escola; mais formação, mas não mais aulas; mais aprendizagens, mas não mais formalismo; mais responsabilização, mas não mais normas; mais socialização, mas não mais amputações à sua criatividade (José Morgado, in DN). Relembro que a criatividade é atualmente tão importante como a alfabetização o foi no passado e, presentemente, as nossas crianças não “crescem” rumo à criatividade, fazem o inverso: são conduzidas para bem longe dela, ou melhor, são ensinadas a abandoná-la. O nosso sistema educativo, como praticamente todos os outros, está vocacionado e centrado em educarmos progressivamente da cintura para cima e, pessoalmente, considero que a nova proposta da ETI pode ser um espaço de desenvolvimento de competências não formais bem diferentes das que acontecem dentro das salas de aulas (como, por exemplo, brincar, explorar, dançar, pintar, praticar desporto e até voluntariado…) onde as crianças podem encontrar o seu talento, podem arriscar, experimentar e até falhar/errar, na medida em que quando atingirem a adultez a sociedade não lhes possibilitará esse erro.
Em género de conclusão, é preciso educação a tempo inteiro, mas não é preciso escola a tempo inteiro, sobretudo se for uma ETI que se reduza a atividades formais e, do ponto de vista cultural e artístico, pouco ou nada significativa e que não acrescente algo de diferente às crianças.
Miguel Alexandre Palma Costa
(Reflexão elaborada em função da Ação de Formação “Escola a Tempo Inteiro. E se houvesse ventos de mudança?... Lançar sementes para o futuro,
Sindicado dos Professores da Madeira, dias 19 e 20 de Fevereiro de 2016)
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