Setembro é (melhor, era) normalmente o mês de reentré política, o mês em que se inicia(va) um novo ciclo político com “grandes” e novos discursos, promessas e compromissos, “coisas completamente diferentes e bombásticas” depois de se estar calado durante um mês e meio. Contudo, agora – e de acordo com as recentes palavras de Marcelo Rebelo de Sousa – efeito da desdramatização da vida política e da necessidade do aceleramento das intervenções, “o resultado das rentrées diluiu-se” e o discurso é muitas vezes prossecução do que já foi dito e redito aos portugueses, ou seja, não traz nada de diferente e novo.
Mas o período que agora se inicia é diferente. 2019 será ano de eleições – por três vezes na RAM – e o desejo, sede ou ânsia de poder (Nietzche fala em “vontade de poder) e a paixão de mandar, não esquecendo que em democracia “é o povo quem mais ordena”, disfarça-se em muitos dos principais (e invariáveis) candidatos com a pele de cordeiro que está mais à mão e estes lançam sobre os cidadãos-eleitores a ideia de que é possível tornar real o irreal. Velhas e novas promessas, devaneios, ilusões e utopias (no passado, megalomanias e “elefantes brancos”) estão, naturalmente, de volta! O melhor candidato – e hipoteticamente vencedor – será aquele que melhor falar (usar da retórica), discernir, manipular e conseguir gratificar a campanha a uma influente agência de comunicação.
O poder é sem dúvida algo que nos fascina a todos, embora por motivos diferentes. Ele é a chave para entendermos a condição e experiência humana: as interações pessoais, os sistemas financeiros, económicos e sociais, as instituições, os costumes, as leis…, pois tudo isso “são condensações e/ou dispersões de poder” (Marina, 2008), e a sua conflituosa relação com a liberdade torna-o inevitavelmente, para muitos, suspeito. É famosa a frase de lorde Acton de que o «poder corrompe sempre», aceite por muitos, e por isso nenhum dos candidatos ao exercício do poder se atreve a dizer que o deseja ter, pois tal seria reconhecer a sua disposição para ser corrupto. Mas o que é o poder? Porque atrai tanto? Donde brota – e o que é – esse insaciável desejo de conquistar o poder?
O poder é algo que circula e funciona em cadeia, não é uma propriedade (antes a potência de realizar uma possibilidade), um bem, mas algo que “está presente em todos os tipos de relações comunitárias” (Henriques, 2018), que emerge no circuito do desejo, faz parte do seu dinamismo e na política desempenha um papel capital graças ao conflito permanente entre os interesses particulares e interesses de grupos. Ora, a vida política na RAM também ela vive deste conflito que não tem solução final, e o desejo originário de poder, de afirmação, distinção, ampliação de possibilidades pessoais – de domínio – cresce a olhos vistos rumo a 2019 e à obtenção de lugares potencialmente acessíveis à eleição dos escolhidos pelos aparelhos partidários, independentemente das suas qualificações e mérito.
Espinosa disse, com razão, que a “essência do homem é o desejo” e este é vulgarmente descrito como um impulso (espontâneo e consciente) para um bem conhecido ou imaginado, capaz de satisfazer uma necessidade ou carência. Freud, pelo contrário, acredita que o segredo está no inconsciente e que o desejo se reduz a um conflito de pulsões. Em política, o desejo é não só de dominar mas sobretudo de expansão do poder do eu, um poder pessoal que se manifesta mediante uma inesgotável vontade de atuar, de agir, de mobilizar energias próprias e de outros, um poder “sobre” (de mandar), de impor-se ao outro e do converter em instrumento da sua vontade, meio para alcançar os grandes fins que a sua visão observa, ou pior e como muitas vezes sucede, embriaga.
Se o poder é um modo de afirmação e de reconhecimento social, na política o poderoso, na busca e defesa da sua legitimidade, afirma que quer é apenas servir a sua comunidade e acredita – pelo menos transmite-o – que só o move o bem pelos demais, o Bem Comum, a felicidade do seu povo, ou seja, a satisfação de tudo aquilo que os seus necessitam e há muito aspiram.
Até meados de Outubro de 2019, a atração/paixão pelo poder – misturada com alguma vaidade adulada, narcisismo, desejo de bem-estar e reconhecimento social… – irá fazer com que muitos putativos e candidatos aos diversos cargos disponíveis cheguem mesmo a dizer que não estão “interessados em exercer o poder pelo poder” e nos privilégios que tal lhes confere. Porém, não nos deixemos nova e repetidamente enganar por declarações camufladas e manipulatórias, apensas a carismas díspares que só conduzem a mais ‘limitações’ e à deterioração do sistema democrático que hoje temos e que já não cumpre a nobre finalidade da política.
Em suma, a história ensina-nos que para lidarmos com o poder e impedirmos os seus excessos, a solução não é eliminá-lo (todas as revoluções derrubaram um poder para o substituir por outro), mas sim controlá-lo, e em democracia precisamos de sociedades, cidadãos e lideranças que excluam a dominação, que exijam igualdade/equidade sempre que existam desigualdades, que sobreponham a liberdade contra a uniformidade e a justiça contra a corrupção. É verdade que em política predomina o interesse, mas a sua finalidade é o Bem Comum e o poder deve estar na cooperação.
Miguel Alexandre Palma Costa
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