No passado dia 22 de abril assinalou-se o Dia da Terra, data que regista o nascimento, nos anos 70, dos modernos movimentos de defesa do ambiente e das espécies ameaçadas. É um facto que o nosso planeta – e em particular o Homem – vive agora focalizado no ataque à pandemia da COVID-19, sobretudo pelos receios, temores e efeitos que ela pode gerar (já foram ultrapassados os 3 milhões e meio de infetados e mais de 250 mil óbitos) em termos de perda de vidas e da rutura nos sistemas de saúde de países mais desenvolvidos e ricos ou, pior ainda, naqueles já de si débeis em termos democráticos e com grandes carências económico-financeiras.
Os cientistas e a ONU já alertaram, por diversas vezes, que dentro de 10 anos as alterações climáticas serão irreversíveis, que o modelo insustentável de desenvolvimento que adotamos conduziu-nos a um precipício, que os efeitos das mudanças climáticas serão abruptos, que a perda dramática de biodiversidade, a redução drástica de água doce disponível, a poluição do ar, a queima indiscriminada e persistente de combustíveis fósseis, a proliferação de plástico nos mares e oceanos, a pesca excessiva, o consumo de carne desmedido… tudo isto terá pesadas e perigosas consequências, ou seja, a humanidade está (e contínua) fora do trilho de cumprir as metas estabelecidas para 2030 e 2050, nos diversos acordos internacionais sobre mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e proteção ambiental e, portanto, é forçoso mudar. Em síntese, há uma outra ‘catástrofe’ (ambiental) já no horizonte e as políticas de proteção ambiental – fala-se muito dos 5 R’s (Reduzir, Reutilizar, Recuperar, Renovar, Reciclar), cuja aplicação em Portugal ainda é uma miragem – são muito incipientes e iludem-se/enganam-se aqueles que acreditam que com a humanidade refugiada nas suas casas, as ruas e estradas sem movimento, as fábricas paradas, os aviões no chão… o planeta mudou e se regenerou. Tal cenário otimista/idealista não é verdadeiro.
Ora, mas neste mês primaveril de maio de 2020 outros 5 R’s se impõem agora aos portugueses e a todos cidadãos que saem, paulatinamente, de uma primeira vaga da pandemia que assinala o início da década – e também de um confinamento e estado de emergência que durou 45 dias – , que procuram retomar a normalidade das suas vidas e da economia e eles são: Reabrir, Recuperar, Rastrear, Realismo e Racionalidade. É isto que se impõe agora aos decisores políticos (e que os responsabiliza), mas também ao comum dos cidadãos.
Reabrir – o mês de maio marca o regresso à atividade económica em grande parte dos países europeus, cada um com um ritmo diferente e medidas algo semelhantes, pois é chegada a hora de começar a levantar restrições, de reabrir. Existem planos de reabertura da economia por fases, para os diversos sectores/áreas, e a meio do corrente mês (mas também em junho), mediante a evolução da epidemia, poderão ser levantadas mais restrições, sendo que a máscara de proteção individual (agora um novo e grande negócio para alguns) será de uso obrigatório nos espaços fechados.
Recuperar – a retoma está condicionada pela evolução da situação, mas os cenários delineados falam de uma queda do nosso PIB bem superior ao da crise financeira de 2009 (Mário Centeno fala em 6,5% do PIB por cada 30 dias úteis), e que a economia pode levar mais de dois anos a recuperar para valores de 2019. É agora imprescindível injetar dinheiro no orçamento de milhares de famílias e assegurar a tesouraria das micro e pequenas empresas, de forma simples, descomplicada, rápida e eficaz. Se tal não ocorrer, para além da fome e pobreza que já se alastra, a recuperação económica prolongar-se-á no tempo e não estará preparada para uma segunda vaga que muitos dizem ser inevitável antes do final do ano. Se não morremos da doença – neste momento a maioria das micro e pequenas empresas (muitas delas familiares), continuam a tentar resistir, dia após dia – podemos vir a “morrer da cura”, se esta não for a adequada.
Rastrear – muitos profissionais de saúde dizem que que a política de testes adotada não é suficientemente abrangente. No passado, os casos suspeitos de COVID-19 eram testados em função de uma “definição de caso muito apertado”, ou seja, a realização de testes era insuficiente por diversas razões operacionais e teve de ser alargada para que se tivesse uma “noção mais clara da realidade”, ou seja, do alastrar da infeção ainda que se considere que o número apresentado pode bem não corresponder à realidade. Se quisermos manter a capacidade de conter o mais possível o SARS-CoV-2 (responsável pela pandemia covid-19) será crucial, agora e no futuro, aumentar a capacidade de realizar testes no nosso país, provavelmente, passarmos para as dezenas de milhar por dia. No entanto, dizem os especialistas, os testes que detetam a presença do vírus no organismo, embora “úteis para localizar os doentes, eventualmente isolá-los e reconstruir as cadeias de contaminação” (Pierre Charneau), têm demasiadas lacunas. É de capital utilidade iniciarem-se os testes serológicos, pois só estes permitem efetivamente apurar não apenas se uma pessoa já contraiu o SARS-CoV-2, mas que nível de imunidade adquiriu, instrumento essencial para retomar a normalidade da vida social e proteger as pessoas que cuidam de doentes ou que estiveram próximas de infetados.
Realismo – nos próximos tempos, pelo menos até à chegada de uma vacina contra este novo coronavírus – que já não virá a tempo desta epidemia, mas estará disponível para o futuro –, será preciso vivermos com os pés bem assentes na terra. Exige-se àqueles que nos guiam/dirigem coletivamente o máximo conhecimento da realidade, objetividade, razoabilidade e justeza nas decisões e ações, para que todos possamos também agir em conformidade com avaliação produzida e os cenários traçados (parece que António Costa já abandonou o seu “otimismo irritante” e faz agora análises e projeções mais cautelosas). É agora, mais do que nunca, necessário colocar o primado do real sobre o ideal, pois não é ainda seguro que “tenhamos atingido o planalto” e o desconfinamento poderá, conforme a evolução dos números, fazer-nos voltar para trás. Nesta situação e noutras, nunca é de mais repisar o mote: “Esperar pelo melhor e preparar-se para o pior!”.
Racionalidade – Bertrand Russell define-a como “o hábito de considerar todos os nossos desejos relevantes, e não apenas aquele que sucede ser o mais forte no momento”. Diz que é à inteligência/racionalidade que “devemos recorrer para a solução dos males de que sofre o nosso mundo”, portanto, depois da ignorância e confusão inaugurais que ampliaram o medo e a angústia perante um vírus desconhecido, que não é “mansinho” (e que mudou tudo) e originário da China, aos representantes do Estado e atores políticos, o que se pede é que as suas decisões sejam democráticas e racionais. Por outras palavras, se as decisões tomadas não seguirem padrões de racionalidade e razoabilidade entendíveis pelos cidadãos (se não seguirem valores e objetivos/metas claras e compreensíveis), então a erosão da democracia acentua-se e os populismos e autoritarismos despontarão em países onde a máxima “um governo do povo, pelo povo e para o povo” (Abraham Lincoln) é ainda muito frágil, como já é percetível na Europa e no continente americano.
Confrontados com tudo isto e recordando a distopia narrada por Aldous Huxley, que “Admirável Mundo Novo” este, um tempo novo que tem tanto de incerteza e estranheza como de espanto!
Miguel Alexandre Palma Costa
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