Escrever na data que a UNESCO instituiu para celebração do Dia Internacional da Filosofia – a terceira quinta-feira do mês de Novembro de cada ano – sobre uma atividade e um saber racional fundamentador (Daniel Innerarity descreve-a como “uma das belas artes”), crítico e sistemático que se inscreve num tempo e que procura dar resposta aos problemas existentes de hoje e de há mais de dois milénios e meio, poderá não ser tarefa prudente, mas ainda assim, e beneficiando da oportunidade, com conselho, regra e sensatez, atrevo-me a fazê-lo!
Em primeiro lugar, relembro que efeméride, proclamada em 2002, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, resultou da necessidade do Homem em refletir sobre os diversos acontecimentos atuais, em estimular o pensamento crítico, criativo e independente – ao mesmo tempo que arroga um diálogo entre os povos – contribuindo, deste modo, para a promoção de valores estruturantes nas sociedades contemporâneas como são a tolerância e paz, e a tomada de consciência da nossa condição humana.
Mas, hoje, proponho, a par de narrar um pouco da história desta área do saber/conhecimento humano, promover a compreensão da natureza – e especialmente a relevância – da Filosofia, ou melhor, o problema do seu valor, que para muitos que a conhecem ou apenas ouviram falar dela, não é nem evidente nem imediato.
Ora, parece que foi durante o século VII a.C. (com os pré-socráticos, que se dedicavam à investigação das explicações causais e que tentaram formular “teorias” sobre o mundo e a natureza, do grego Phýsis), que nasceu, na Grécia antiga, as primeiras formas de pensamento crítico (Filosofia), cuja principal tarefa era explicar a origem do mundo, da vida e das leis que regem o universo. Como consequência desta invenção e investigação, a magia, os mitos e ritos, as tradicionais superstições/crenças deram lugar a uma abertura cada vez maior ao racionalismo e à especulação abstrata, ou melhor, ao pensar independente, lógico e crítico que começou a surgir com as primeiras “tentativas” de explicação do funcionamento do Cosmos. De lá para cá, o exercício do filosofar não mais parou…, e este desafio do despertar e tentar perceber o sentido do mundo atravessou primeiro séculos e depois milénios, tudo mercê do trabalho de proeminentes figuras da nossa história coletiva tais como Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Descartes, Espinosa, Leibniz, Kant, David Hume, Hegel, Nietzsche, Wittgenstein, Heidegger, e muitos outros “gigantes do pensamento”, que nos permitem hoje “ver mais coisas do que eles viram e mais distantes” (Bernardo de Chartres).
Por outras palavras, a “grande Filosofia” protege-nos ainda no presente do tradicional encolher de ombros quando se nos colocam grandes questões, da rápida resolução e opinião (doxa) nada fundamentada, do recurso ao preconceito, à superstição e às tradições religiosas (ou de outra natureza) para explicar um qualquer fenómeno, da esfera do imune ou desligado da realidade e, sobretudo, da relação com o nosso dia-a-dia sem interrogações ou questões que nos devem fazer expandir os nossos horizontes de compreensão para “abrangermos tanto o infinitamente pequeno como o infinitamente grande” (Carl Sagan).
Sim, a Filosofia é útil! O seu valor é indireto, mas real! Sem ela perde-se a “capacidade de ver para lá da aparência das coisas” (Fernando Gil), perde-se o sentido crítico, a perceção das contingências da verdade e da evidência, e “o sentido da administração do transcendente” (João Lobo Antunes); extingue-se um exame crítico dos fundamentos das nossas crenças e convicções, em suma, arruína-se toda uma liberdade e identidade.
Aproximando-me do término desta (evidentemente) incompleta tarefa, recupero ainda o Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, composto para a UNESCO, e coordenado por Jacques Delors, onde o valor da formação filosófica – e o substantivo vínculo entre Filosofia, Democracia e Cidadania – tem o devido reconhecimento público na prossecução dos célebres “4 pilares da educação” (aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver juntos), pois esta possibilita não apenas o processo do saber de si, de cada um, como também um discernimento cognitivo e ético, contribuindo, diretamente para a capacitação de cada ser humano para o juízo crítico e participativo na vida em comunidade.
Por último, e em género de conclusão, resgato agora algumas das palavras do filósofo e Prémio Nobel da Literatura em 1950, Bertrand Russell, sobre o valor desta atividade que é o filosofar, uma atividade que “apesar de não poder dizer-nos com certeza qual é a resposta verdadeira às dúvidas que levanta, é capaz de sugerir muitas possibilidades que alargam os nossos pensamentos e os libertam da tirania do costume.” Em suma, é o exercício da filosofia que “remove o dogmatismo algo arrogante de quem nunca viajou pela região da dúvida libertadora, e mantém vivo o nosso sentido de admiração ao mostrar coisas comuns a uma luz incomum” (Bertrand Russell, Problemas da Filosofia).
Parabéns!... e que a Filosofia não fique circunscrita apenas a um dia, mas que seja uma constante na vida humana.
Miguel Alexandre Palma Costa
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