Atualmente, a sociedade mediatizada em que vivemos privilegia o discurso (muitas vezes demagógico/retórico) sobre o que é justo (e correto) fazer-se, em detrimento daquele que se ocupa e realiza (pratica) o “bem” na ação concreta. Episódios diversos demonstram-no, e a própria comunicação social disso dá depoimentos quase diários.
Um qualquer cidadão estrangeiro ou nacional que tenha chegado (ou passado), nos últimos dias, algum tempo em território português – e, em particular, na Região Autónoma da Madeira – e admirado, mais cuidadosamente, aquilo a que se assiste nas praças, avenidas ou ruas, e espreitado (com distanciamento crítico) a imprensa nacional e regional relativamente às duas campanhas eleitorais em curso, certamente, constatou que ou Portugal está muito diferente daquilo que era (e presumivelmente ainda é) e a insatisfação ‘recente’ do seu povo já se desvaneceu ou, então, muita da partidocracia continua a alimentar, de forma propositada e irrealista, a ideia fácil de uma vida melhor (e de grande prosperidade económica e copiosa riqueza para redistribuir) como uma verdade absoluta, esquecendo a interdependência e complexidade do mundo atual, mas, sobretudo, exercitando tudo isto com um objetivo primário: conquistar ganhos políticos (e, para alguns, pessoais) dentro de muito poucos dias. A manutenção ou conquista do poder deve sacrificar, para alguns candidatos, a verdade e a própria realidade!
Assistimos, portanto, na Região e no território continental, a um convite a “venha sonhar e participar na mudança”, em que o ator político (e o seu discurso) varia (agora) consoante os interesses e a ‘vontade’ do eleitorado, na medida em que o importante é vender o sonho de uma vida (e futuro melhor) e que o eleitor acredite e ‘compre’ o produto em questão, isto é, vote nessa possibilidade, seja ela utópica ou mais exequível! Muitos políticos esqueceram o valor/princípio da transparência (preferem o jogo das ocultações) e dominam já, e como ninguém, o mundo da publicidade falaciosa.
Se a política é a gestão da coisa (rés) pública, em democracia, quando elegemos e confiamos nos nossos representantes (os eleitos) – aqueles que devem servir os interesses da comunidade e não os seus – esperamos da sua parte um nível de responsabilidade, integridade (palavra de origem latina que significa “totalidade incorrupta”) e transparência acrescida em relação aos demais cidadãos. Por outras palavras, se o político tem um poder acrescido, também tem um dever de exercício (e escrutínio) ético superior.
Representar e governar os eleitores, melhor, os cidadãos, é um serviço público que exige o cumprimento integral dos compromissos assumidos, mas também uma eticidade na ação política. Nesta medida, como podemos hoje continuar a confiar na atuação política de um candidato (ou governante) que não se mantém impermeável a influências (por exemplo, lóbis corporativos ou familiares) que perturbam ou influem negativamente nos interesses coletivos ou Bem Comum? Porque acreditamos em quem procura iludir e burlar os eleitores com promessas que são inexequíveis económico-financeiramente, e algumas delas mesmo ridículas? Porque é que autorizamos que nos digam que agora é que a Saúde, Educação, Justiça, Cultura (ou a Ferrovia) vão ser a prioridade governativa, quando nas anteriores legislaturas – chefiadas pelos mesmos partidos e atores – não o foram e os cortes orçamentais incidiram precisamente nestas áreas? Porque apoiamos candidatos que nem sequer conhecem as principais correntes ideológicas políticas e há bem pouco tempo estavam num partido político, e hoje estão noutro, diverso e que defende sensivelmente o oposto do primeiro? Porque contamos com candidatos que foram eleitos para cargos públicos mas não cumpriram os seus mandatos até ao fim, pois tinham aspirações/agendas pessoais e políticas mais elevadas? Porque cremos, ainda, em quem fala em ‘contratos com os eleitores’, assumidos antes das eleições – e em quem se aproveita de imunidades parlamentares (ou outras) para cometer atos que até podem ser legais, mas que são imorais – e nos demitimos, coletivamente, de fiscalizar a atividade dos representantes eleitos após o sufrágio e do cumprimento integral das promessas feitas? Afinal, quanto vale a competência ética num candidato ao exercício do poder, ou seja, num cidadão que deseja representar os seus concidadãos e impor um projeto e rumo para o futuro?
Os politólogos – e os números da abstenção dos últimos atos eleitorais em Portugal (e até na Europa) – dizem-nos que a insatisfação impera tendo entre os seus alvos o próprio sistema político, que sustenta governos e instituições onde muitos dos cidadãos já não se reveem e, portanto, demitem-se de participar. Na Europa, a ‘verdade’ do espaço público/político vê agora o ampliar do risco de incremento do populismo nas suas diversas variantes e, em Portugal, tal fenómeno parece ainda algo distante.
Ora, com este cenário, é talvez chegado o momento de desenvolvermos uma ética pública, sabendo-se de antemão, que por si só ela não garante uma boa política e bons políticos, mas é seguro que não pode haver boas políticas e políticos (e bons Governos) se não se respeitarem alguns mínimos éticos. Porém, não omitamos o que é vital: a resposta decisiva às questões levantadas acima começará já por ser dada, pelos eleitores, nos dois próximos atos eleitorais que se avizinham.
Miguel Alexandre Palma Costa
(artigo de opinião in Diário de Notícias da Madeira, 17.09.2019)
Filosofia
Sociedade Portuguesa de Filosofia
Associação Portuguesa de Fenomenologia
Associação de Professores de Filosofia
Revista Portuguesa de Filosofia
Exames Nacionais de Filosofia - GAVE
Crítica - Revista de Filosofia
Psicologia
Associação Portuguesa de Psicologia
Educação
Direcção Geral de Recursos Humanos da Educação
Secretaria Regional da Educação da Madeira
Sindicato dos Professores da Zona Norte
Sindicato Democrático dos Professores da Madeira