O determinismo é um princípio (e crença) segundo o qual todos os fenómenos ou acontecimentos ocorrem de uma maneira já estabelecida, seja por disposição de uma entidade sobrenatural ou por leis causais (da Física) necessárias e invariáveis, concebidas pela Natureza/Universo. Muitas pessoas aceitam esta visão e explicação dos factos, e as palavras “fado” ou “destino” – próprias do fatalismo – muitas vezes proferidas pelos portugueses, revelam que estamos como que subordinados à “regência férrea de um destino abstrato, superior à justiça e à bondade, alheio ao bem e ao mal” (Fernando Pessoa), já fixado e de grande infortúnio, situação muito idêntica àquela por estamos todos a passar com a pandemia da COVID-19.
De acordo com esta doutrina, tudo o que acontece tem uma causa, isto é, cada acontecimento no mundo decorre necessariamente da série de factos/acontecimentos que o antecederam, pelo que todo e qualquer fenómeno é rigorosamente determinado – numa sequência lógica causa-efeito – por todos aqueles que o antecederam, e não há aqui lugar para ocorrências aleatórias ou imprevisíveis (acasos, sorte ou azar).
Pelo que se percebe, o contágio da Europa (e de Portugal) pelo novo coronavírus, agora designado por “SARS-CoV-2” - COVID-19 (Coronavirus Disease, nome da doença), que surgiu em novembro de 2019, em Wuhan (província de Hubei, uma zona de interceção de dois importantes eixos de comunicação), na China, era inevitável e apenas uma questão de tempo, apesar da maioria das entidades responsáveis terem ignorado ou desconsiderado a importância daquilo que ali estava a despontar. Os críticos do determinismo, apresentariam razões diversas e considerariam que muito do que está a acontecer poderia ter sido evitado e bloqueado. Infelizmente, tal não sucedeu. Fomos praticamente inativos na proatividade, morosos e tardios na ação e só agora estamos a ser reativos, mas com medidas que os “especialistas” dizem ser manifestamente insuficientes para mitigar um problema para o qual todos temos de colaborar num combate que se quer eficiente e eficaz.
Ora, a perspetiva determinista tem sérias implicações na ideia do livre arbítrio (para o determinismo radical não existe livre arbítrio, isto é, ações ou escolhas livres e isentas de coerção), e com a ascensão da ciência moderna (sendo que aquele que merece o título de “fundador” da ciência moderna é, decididamente, Galileu Galilei, o primeiro a observar os céus com um instrumento ‘adequado’ – o telescópio –, e também o primeiro a praticar e a teorizar o método experimental), tornou-se comum conceber o mundo inteiro à luz das relações de causa-efeito: para qualquer efeito (acontecimento), existe uma causa, de tal modo que se for dada uma causa, seguir-se-á necessariamente um efeito (consequência que não ocorreria se não se desse a causa).
Mas o coronavírus veio de Wuhan, trouxe e sedimentou o medo, a desconfiança, angústia, algum pânico, sobretudo (e para já) pelo rasto de vítimas que já ceifou na Ásia e agora no velho continente, e ameaça questionar e reformar o nosso modo de vida. Um conjunto de anomalias vieram pôr em causa o paradigma dominante (Thomas Khun). A contemporânea civilização da ação e sem tempo, do “é pra ontem”, do movimento frenético e contínuo, esta “aldeia global” (Herbert Marshall McLuhan) onde o hiperconsumo é estimulado e glorificado (Gilles Lipovetsky), com o consequente esgotamento de múltiplos recursos naturais e alterações climáticas de que somos testemunhas (apesar do negacionismo climático de alguns), está agora suspensa e impõe a todos um recolher obrigatório, uma isolamento social/quarentena, para que o contágio não se propague de forma avassaladora e os sistemas de saúde dos países “ditos desenvolvidos” não colapsem, apesar de ser por todos inegável tal desfecho.
Se a crise começou por questões de saúde pública, ela está já instalada no turismo, no comércio, nos transportes aéreos…, ou seja, na economia, nos mercados financeiros, no normal funcionamento das instituições democráticas e na vida social de biliões de cidadãos. Prestigiados economistas já declararam uma recessão global, com efeitos de escala imprevisível, e diferentes instituições internacionais e Governos começam, inevitavelmente, a ter de anunciar medidas para, pelo menos, amenizar o que se antevê.
Fomos todos convocados/obrigados a ficar em casa, a trabalhar a partir de casa (parece que só descobrimos agora alguns dos benefícios do teletrabalho), a ocupar o tempo com tarefas que deixamos de fazer, a pensar/refletir, a alterar hábitos, a “entretermo-nos” com algo que não faríamos se não vivêssemos tudo isto, e estamos coletivamente a mostrar que é exequível mudar e viver de outra maneira. Estamos numa situação (e lição) nova com a qual devemos aprender alguma coisa.
Mas qual o desfecho para esta crise? De onde virá a resposta para lidar com um problema de tal dimensão? Quem amputará esta pandemia global, em que um em cada seis adultos no mundo pode ser infetado, mas destes 98% vão sobreviver e 2% vão falecer?
A resposta só pode ser uma: a ciência, o conhecimento científico, aquele que desde a mecânica clássica, ou física de Newton, segue a máxima do determinismo e que garante que todos os acontecimentos são causados por acontecimentos anteriores. Será a ciência, um conhecimento sistematizado, sustentado num processo metodológico que nos dá garantias de verdade (curiosamente avança pelas contradições/erros que produz, pela oposição de hipóteses emitidas, pela dúvida…), objetivo, experimental, rigoroso, racional e crítico, sujeito a processos de revisão (ou substituição) permanentes, que nos permitirá, por aproximações sucessivas, não só compreender e explicar a forma como este novo “SARS-CoV-2” (COVID-19) opera, quais os procedimentos para o evitar e, posteriormente, depois de uma vasta investigação a tudo o que ainda está “escondido” – e correta análise/interpretação de todos os dados – nos facultará a descoberta, quer de uma vacina que a previna, quer de um fármaco que recupere os infetados pelo vírus e resultante doença.
No momento em que escrevo este texto, de acordo com o boletim epistemológico publicado, Portugal regista já 642 casos confirmados de infeção pelo novo coronavírus, “SARS-CoV-2” - COVID-19. O número total de casos suspeitos subiu para 5067 e o total de casos não confirmados é agora de 4074. Há 351 pessoas a aguardar resultado laboratorial e a parcela de óbitos é 2, mas estamos todos conscientes que vai engrossar (entramos já na fase de “crescimento exponencial da epidemia”). Sei que quando for publicado, os números citados já estarão, decerto, desatualizados. Mas, e porque sou otimista – tal como Winston Churchill, pois “não me parece muito útil ser outra coisa” – e porque a velocidade a que a fecundidade científica avança é tremenda (no presente, o motor do progresso é sem dúvida a ciência; ela produz tecnologia, a tecnologia produz inovação, inovação produz/gera crescimento económico, que por sua vez origina riqueza para quem nela investiu, e Portugal, melhor, toda a Europa, precisa ainda de mais investimento em ciência), estou igualmente seguro de que a breve prazo – e já nos chegam boas notícias da China e de outros pontos do planeta –, grandes empresas farmacêuticas e laboratórios de investigação, que estão agora a trabalhar contra o tempo, irão encontrar vacinas e formas de tratamento contra a COVID-19.
O trabalho é complicado, dizem-nos, porque jamais se encontrou uma vacina muito eficaz para os seres humanos contra patógenos da família dos coronavírus. Todavia, ensaios clínicos para comprovar se estas vacinas, que estão a ser desenvolvidas, são eficazes, já estão agendados para o próximo mês de abril. A esperança é uma arma poderosa e abre horizontes e possibilidades ilimitadas. Hoje sabemos mais do que há cem anos, há dez anos, e também mais do que no final do mês passado. O conhecimento científico continua em progresso e, estou confiante, saberá responder aos desafios e problemas teóricos e práticos do momento que a humanidade vive. Afinal, e como sempre dissemos, “enquanto há vida, há esperança” (Cícero).
Miguel Alexandre Palma Costa
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